A Grande Manchete
Aproxima-se a hora da manchete. O PETRÓLEO ACABOU. Acabaram as alucinações os crimes, os romances as guerras do petróleo. O mundo fica livre do pesadelo institucionalizado.
Atiradores ao lixo motores de combustão interna e lataria colorida, o Museu da Sucata exibe o derradeiro carro carrasco. Tem etiqueta de remorso: “Cansei a humanidade”.
Ruas voltam a existir para o homem e as alegrias de estar-junto. A poluição perdeu seu aliado fidelíssimo. A pressa acabou.
Acabou, pessoal! o congestionamento, o palavrão, a neurose coletiva. A morte violenta entre ferragens com seu véu de óleo e chamas acabou.
Milhões de arvores meninas irrompem do asfalto e da consciência em carnaval de sol. Dão sombras grátis ao papo dos amigos, à doçura do ócio no intervalo do batente, do amor antes aprisionado sob o capô ou esmigalhado pelas rodas, â vida de mil formas naturais. Pessoas, animais, confraternizam: Milagre!
Dura 5 (?) minutos a festa da natureza com a cidade. Irrompem formas eletrônicas implacáveis, engenhos teleguiados catapúlticos de máximo poder ofensivo e reconquistam o espaço em que a vida bailava.
Recomeça o problema de viver na cidade-problema?
De que valeu cantar o fim da gasolina de alta octanagem?
Enquanto não vem a formidável manchete vamos curtindo outras manchetinhas a varejo. Vamos curtindo a visão do caos e do extermínio na rua, na foto, no sono atormentado: Mas 400 carros por dia nas pistas que encolhem, encolhem, são apenas enfumaçadas fita de rangidos. Mais loucura, mais palavrão e mais desastre.
E lemos Ralph Nader: a cada 10 minutos morre uma pessoa em acidente de carro; a cada 15 segundos sai alguém ferido na pátria industrial dos automóveis. Vamos imitá-la? Vamos vencê-la em desafio de quem mata mais e morre mais? Ou vamos ficar apenas engarrafados sem garrafa no ar poluído e constelado de placa, de sinais que assinalam o grande entupimento? Perguntas estas são mensagem também ela espremida na garrafa que bóia no alto-mar de ondas surdas e cegas à espera do futuro que as responda.
Carlos Drummond De Andrade
Outras frases de Carlos Drummond de Andrade
+ A ignorância, a cobiça e a má-fé também elegem seus representantes políticos. - Carlos Drummond De Andrade
+ Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar. - Carlos Drummond De Andrade
+ O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar. - Carlos Drummond De Andrade
+ Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão. - Carlos Drummond De Andrade
+ A minha vontade é forte, porém minha disposição de obedecer-lhe é fraca. - Carlos Drummond De Andrade