A Vigília de Hero

Tu amarás outras mulheres E tu me esquecerás! É tão cruel, mas é a vida. E no entretanto Alguma coisa em ti pertence-me! Em mim alguma coisa és tu. O lado espiritual do nosso amor Nos marcou para sempre. Oh, vem em pensamento nos meus braços! Que eu te afeiçoe e acaricie…

Não sei porque te falo assim de coisas que não são. Esta noite, de súbito, um aperto De coração tão vivo e lancinante Tive ao pensar numa separação! Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo. Queria ver-te… estar ao pé de ti… Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!

É como uma corrida, em minhas veias, De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos Que queriam tomar tua cabeça amada, Afagar tua fronte e teus cabelos, Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa! E todavia Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia! Mas faz sofrer… inquieta… Ah, com que poderei contentá-la jamais? Quisera calmá-la na música… Ouvir muito, ouvir muito… Sinto-me terna… e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga! Sente o inefável! Guarda apenas a ventura Do meu desejo ardendo a sós Na treva imensa… Ah, se eu ouvisse a tua voz!


Manuel Bandeira

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+ Madrigal Melancólico O que eu adoro em ti Não é a tua beleza A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito E a beleza é triste Não é triste em si Mas pelo que há nela De fragilidade e incerteza O que eu adoro em ti Não é a tua inteligência Não é o teu espírito sutil Tão ágil e tão luminoso Ave solta no céu matinal da montanha Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti Não é a tua graça musical Sucessiva e renovada a cada momento Graça aérea como teu próprio momento Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti Não é a mãe que já perdi E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que adoro em ti lastima-me e consola-me: O que eu adoro em ti é a vida! - Manuel Bandeira

+ Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples. - Manuel Bandeira

+ Irene no Céu Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. - Manuel Bandeira

+ O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. - Manuel Bandeira

+ O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. - Manuel Bandeira

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