As quadras dele (II)

Digo pra mim quando oiço O teu lindo riso franco, “São seus lábios espalhabdo, As folhas dun lírio branco…”

Perguntei às violetas Se não tinham coração, Se o tinham, porque ‘scondidas Na folhagem sempre estão?!

Responderam-me a chorar, Com voz de quem muito amou: Sabeis que dor os desfez, Ou que traição os gelou?

Meu coração, inundado Pela luz do teu olhar, Dorme quieto como um lírio, Banhado pelo luar.

Quando o ouvido vier Teu amor amortalhar, Quero a minha triste vida, Na mesma cova, enterrar.

Eu sei que me tens amor, Bem o leio no teu olhar,
O amor quando é sentido
Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos; Revelam tudo que sentem,
Podem mentir os teus lábios,
Os olhos, esses, não mentem.

Bendita seja a desgraça, Bendita a fatalidade,
Bendito sejam teus olhos
Onde anda a minha saudade.

Não há amor neste mundo Como o que eu sinto por ti,
Que me ofertou a desgraça
No momento em que te vi.

O teu grande amor por mim, Durou, no teu coração, O espaço duma manhã,
Como a rosa da canção.

Quando falas, dizem todos: Tem uma voz que é um encanto
Só falando, faz perder
Todo juízo a um santo.

Enquanto eu longe de ti Ando, perdida de zelos,
Afogam-se outros olhares
Nas ondas dos teus cabelos.

Dizem-me que te não queira Que tens, nos olhos, traição.
Ai, ensinem-me a maneira
De dar leis ao coração!

Tanto ódio e tanto amor Na minha alma contenho;
Mas o ódio inda é maior
Que o doido amor que te tenho.

Odeio teu doce sorriso, Odeio teu lindo olhar,
E ainda mais a minh’alma
Por tanto e tanto te amar!

Quando o teu olhar infindo Poisa no meu, quase a medo,
Temo que alguém advinhe
O nosso casto segredo.

Logo minh’alma descansa; Por saber que nunca alguém
Pode imaginar o fogo
Que o teu frio olhar contém.

Quem na vida tem amores Não pode viver contente, É sempre triste o olhar
Daquele que muito sente.

Adivinhar o mistério Da tua alma quem me dera! Tens nos olhos o outono,
Nos lábios a primavera…

Enquanto teus lábios cantam Canções feitas de luar,
Soluça cheio de mágua
O teu misterioso olhar…

Com tanta contradição, O que é que a tua alma sente?
És alegre como a aurora,
E triste como um poente…

Desabafa no meu peito Essa amargura tão louca,
Que é tortura nos teus olhos
E riso na tua boca!

Os teus dente pequeninos Na tua boca mimosa,
São pedacitos de neve
Dentro de um cálix de rosa.

O lindo azul do céu E a amargura infinita
Casaram. Deles nasceu
A tua boca bendita!


Florbela Espanca

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