Cálice
Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Ese silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a proca já não anda De muito suada a faca já não corta Como é difícilo, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontgade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça
Chico Buarque
Outras frases de Chico Buarque
+ Soneto Por que me descobriste no abandono Com que tortura me arrancaste um beijo Por que me incendiaste de desejo Quando eu estava bem, morta de sono Com que mentira abriste meu segredo De que romance antigo me roubaste Com que raio de luz me iluminaste Quando eu estava bem, morta de medo Por que não me deixaste adormecida E me indicaste o mar, com que navio E me deixaste só, com que saída Por que desceste ao meu porão sombrio Com que direito me ensinaste a vida Quando eu estava bem, morta de frio - Chico Buarque
+ EU TE AMO Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu Como, se na desordem do armário embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair Não, acho que estás só fazendo de conta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir - Chico Buarque
+ Por favor Deixe em paz meu coração Que ele é um pote até aqui de mágoa E qualquer desatenção, faça não Pode ser a gota dágua - Chico Buarque
+ A felicidade Morava tão vizinha Que, de tolo Até pensei que fosse minha. - Chico Buarque
+ Quando nasci veio um anjo safado O chato dum querubim E decretou que eu tava predestinado A ser errado assim Já de saída a minha estrada entortou Mas vou até o fim - Chico Buarque