INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo Que raras deusas têm escutado - Aquele amor cheio de crença e medo Que é verdadeiro só se é segredado?… Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. Não foi um outro, porque não sabia. Mas quem roçou da testa teu cabelo E te disse ao ouvido o que sentia? Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei? Foi só qualquer ciúme meu de ti Que o supôs dito, porque o não direi, Que o supôs feito, porque o só fingi Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente, A teu ouvido vagamente atento, Te falou desse amor em mim presente Mas que não passa do meu pensamento Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca, A teus ouvidos de eu sonhar-te disse A frase eterna, imerecida e louca - A que as deusas esperam da ledice Com que o Olimpo se apouca.
Fernando Pessoa
Outras frases de Fernando Pessoa
+ Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. - Fernando Pessoa
+ Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje — tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara —, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto. Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la a perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores, pelo céu velho onde as estrelas recomeçam. - Fernando Pessoa
+ Vivem em nós inúmeros - Fernando Pessoa
+ XXXIX - O MISTÉRIO DAS COUSAS O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender. Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: — As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas. - Fernando Pessoa
+ Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. - Fernando Pessoa