POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

O medo vai ter tudo pernas ambulâncias e o luxo blindado de alguns automóveis Vai ter olhos onde ninguém o veja mãozinhas cautelosas enredos quase inocentes ouvidos não só nas paredes mas também no chão no teto no murmúrio dos esgotos e talvez até (cautela!) ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo fantasmas na ópera sessões contínuas de espiritismo milagres cortejos frases corajosas meninas exemplares seguras casas de penhor maliciosas casas de passe conferências várias congressos muitos ótimos empregos poemas originais e poemas como este projetos altamente porcos heróis (o medo vai ter heróis!) costureiras reais e irreais operários (assim assim) escriturários (muitos) intelectuais (o que se sabe) a tua voz talvez talvez a minha com a certeza a deles

Vai ter capitais países suspeitas como toda a gente muitíssimos amigos beijos namorados esverdeados amantes silenciosos ardentes e angustiados

Ah o medo vai ter tudo tudo (Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer)

O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos


Alexandre O Neill

Outras frases de Alexandre O Neill

+ Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti. - Alexandre O Neill

+ É simples a separação. Adeus. Desenlaçado o último abraço, uma pressa de dar contas um ao outro. Já não há gestos. O derradeiro (impossível) seria não desfazer o abraço. Pressa de cada um retomar o outro na teia lenta da remembrança. Não desfazer o abraço. Ficar face encostada ao niagara dos cabelos. Sobram fotografias, voz no gravador, um bilhete na caixa do correio. Sobra o telefone. Tensão - telefone. Experimentada. Sofrida. Tensão - telefone. Possibilidade de voz não póstuma. No gravador, voz de ontem, de anteontem. De há anos. Sobra o telefone. Mudo. Retininte? Sobrarão as cartas. Sobra a espera. Na teia lenta da remembrança, retomo-te em memória recente: na praia de ternura onde nos enrolámos e desenrolámos desesperados de separação. Sobra a separação. - Alexandre O Neill

+ Há palavras que nos beijam - Alexandre O Neill

+ Mal nos conhecemos Inauguramos a palavra amigo! Amigo é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo Uma casa, mesmo modesta, que se oferece. Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo! Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado. É a verdade partilhada, praticada. Amigo é a solidão derrotada! Amigo é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, Amigo vai ser, é já uma grande festa! - Alexandre O Neill

+ Flor de acaso ou ave deslumbrante, Palavra tremendo nas redes da poesia, O teu nome, como o destino, chega, O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo De todas as cores do dia! - Alexandre O Neill

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