Primeiro Coro de Antígona
Muitas são as coisas estranhas, nada, porém, há de mais estranho do que o homem. Parte sobre as espumas da préia-mar no meio da tempestade do inverno sulino e cruza as montanhas de vagas, que abrem abismos de raiva. Extenua a infatigabilidade indestrutível da mais sublime das deusas, a Terra, revolvendo-a ano após ano, arrastando com cavalos para lá e para cá os arados. Sempre astuto, o homem enreda o bando dos pássaros em revoada e caça os animais da selva e os agitados moradores do mar. Com astúcia domina o animal, que pernoita e anda pelos montes, subjuga o dorso de ásperas crinas do corsel e põe o jugo das cangas de madeiras ao touro não domesticado. A si mesmo encontrou tanto no soar da palavra e na compreensão, que, com a rapidez do vento, tudo abarca, como no denodo, com que domina as cidades. Igualmente pensou, como escapar aos dardos do clima bem como às inclemências do frio. Pondo-se a caminho em toda parte, desprovido de experiência e em aporia, chega ele ao Nada. A morte é a única agressão, de que não se pode defender por nenhuma fuga, embora consiga esquivar-se habilmente às penas da enfermidade. Garboso muito embora, porque domina, mais do que o esperado, a habilidade inventiva, cai muitas vezes até na perversidade, outras saem-lhe bem nobres empresas. Por entre as leis da terra e con-juntura ex-conjurada pelos deuses anda ele. Ao sobrepujar o lugar, o perde, a audácia o faz favorecer o não-ser contra o ser. Aquele, que põe isso em obras, não se torne familiar de min há lareira Nem tão pouco o meu saber compartilhe comigo o seu desvairar-se. (Primeiro Coro de Antígona, peça teatral de autoria de Sófocles (v.332-275) IN: HEIDEGGER, Martin. Introdução à Metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p.170-171)