Frases de Augusto Dos Anjos

+ Provo que a mais alta expressão da dor Consiste essencialmente na alegria... - Augusto Dos Anjos

+ Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! - Augusto Dos Anjos

+ Soneto Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos. 2 fevereiro 1911. Agregado infeliz de sangue e cal, Fruto rubro de carne agonizante, Filho da grande força fecundante De minha brônzea trama neuronial, Que poder embriológico fatal Destruiu, com a sinergia de um gigante, Em tua morfogênese de infante, A minha morfogênese ancestral?! Porção de minha plásmica substância, Em que lugar irás passar a infância, Tragicamente anônimo, a feder?!... Ah! Possas tu dormir, feto esquecido, Panteísticamente dissolvido Na noumenalidade do NÃO SER! - Augusto Dos Anjos

+ E a minha mágoa de hoje é tão intensa que eu penso que a Alegria é uma doença e a Tristeza é minha única saúde. - Augusto Dos Anjos

+ Como um pouco de saliva quotidiana Mostro meu nojo à Natureza Humana. A podridão me serve de Evangelho... Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques E o animal inferior que urra nos bosques É com certeza meu irmão mais velho! - Augusto Dos Anjos

+ Amor e crença Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo Ser que preside e rege os outros seres, Que os encantos e a força dos poderes Reúne tudo em si, num só encanto? Esse mistério eterno e sacrossanto, Essa sublime adoração do crente, Esse manto de amor doce e clemente Que lava as dores e que enxuga o pranto?! Ah! Se queres saber a sua grandeza, Estende o teu olhar à Natureza, Fita a cúp’la do Céu santa e infinita! Deus é o templo do Bem. Na altura Imensa, O amor é a hóstia que bendiz a Crença, ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita! - Augusto Dos Anjos

+ O meu nirvana No alheamento da obscura forma humana, De que, pensando, me desencarcero, Foi que eu, num grito de emoção, sincero Encontrei, afinal, o meu Nirvana! Nessa manumissão schopenhauereana, Onde a Vida do humano aspeto fero Se desarraiga, eu, feito força, impero Na imanência da Idéia Soberana! Destruída a sensação que oriunda fora Do tato — ínfima antena aferidora Destas tegumentárias mãos plebéias — Gozo o prazer, que os anos não carcomem, De haver trocado a minha forma de homem Pela imortalidade das Idéias! - Augusto Dos Anjos

+ O amor, poeta, é como cana azeda, A toda boca que não prova engana. - Augusto Dos Anjos

+ A Fome e o Amor A um monstro Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta, Receando outras mandíbulas a esbangem, Os dentes antropófagos que rangem, Antes da refeição sanguinolenta! Amor! E a satiríasis sedenta, Rugindo, enquanto as almas se confrangem, Todas as danações sexuais que abrangem A apolínica besta famulenta! Ambos assim, tragando a ambiência vasta, No desembestamento que os arrasta, Superexcitadíssimos, os dois Representam, no ardor dos seus assomos A alegoria do que outrora fomos E a imagem bronca do que inda hoje sois! - Augusto Dos Anjos

+ Vítima do dualismo Ser miserável dentre os miseráveis — Carrego em minhas células sombrias Antagonismos irreconciliáveis E as mais opostas idiosincrasias! Muito mais cedo do que o imagináveis Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias Cóleras dos dualismos implacáveis E à gula negra das antinomias! Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo... Criação a um tempo escura e cor-de-rosa, Feita dos mais variáveis elementos, Ceva-se em minha carne, como um corvo, A simultaneidade ultramonstruosa De todos os contrastes famulentos! - Augusto Dos Anjos

+ Ninguém doma um coração de poeta! - Augusto Dos Anjos

+ É como um requiem profundo De tristíssimos bemóis... Sua voz é igual à voz Das dores todas do mundo. - Augusto Dos Anjos

+ Ambiciono que o idioma em que eu te falo Possam todas as línguas decliná-lo Possam todos os homens compreendê-lo. - Augusto Dos Anjos

+ O homem que nesta terra miserável mora entre as feras, sente inevitável necessidade de também ser fera - Augusto Dos Anjos

+ A obsessão do sangue Acordou, vendo sangue... Horrível! O osso Frontal em fogo... Ia talvez morrer, Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço, Ah! Certamente não podia ser! Levantou-se. E, eis que viu, antes do almoço, Na mão dos açougueiros, a escorrer Fita rubra de sangue muito grosso, A carne que ele havia de comer! No inferno da visão alucinada, Viu montanhas de sangue enchendo a estrada, Viu vísceras vermelhas pelo chão... E amou, com um berro bárbaro de gozo, O monocromatismo monstruoso Daquela universal vermelhidão! - Augusto Dos Anjos

+ Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?! - Augusto Dos Anjos

+ Primavera Primavera gentil dos meus amores, - Arca cerúlea de ilusões etéreas, Chova-te o Céu cintilações sidéreas E a terra chova no teu seio flores! Esplende, Primavera, os teus fulgores, Na auréola azul, dos dias teus risonhos, Tu que sorveste o fel das minhas dores E me trouxeste o néctar dos teus sonhos! Cedo virá, porém, o triste outono, Os dias voltarão a ser tristonhos E tu hás de dormir o eterno sono, Num sepulcro de rosas e de flores, Arca sagrada de cerúleos sonhos, Primavera gentil dos meus amores! - Augusto Dos Anjos

+ Eterna mágoa O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! Não crê em nada, pois, nada há que traga Consolo à Mágoa, a que só ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que não sabe E que essa mágoa infinda assim não cabe Na sua vida, é que essa mágoa infinda Transpõe a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme É essa mágoa que o acompanha ainda! - Augusto Dos Anjos

+ Ceticismo Desci um dia ao tenebroso abismo, Onde a Dúvida ergueu altar profano; Cansado de lutar no mundo insano, Fraco que sou, volvi ao ceticismo. Da Igreja - A Grande Mãe - o exorcismo Terrível me feriu, e então sereno, De joelhos aos pés do Nazareno Baixo rezei, em fundo misticismo: - Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! Se esta dúvida cruel que me magoa Me torna ínfimo, desgraçado réu. Ah, entre o medo que o meu Ser aterra, Não sei se viva pra morrer na terra, Não sei morra pra viver no Céu. - Augusto Dos Anjos

+ À mesa Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora, Antegozando a ensangüentada presa, Rodeado pelas moscas repugnantes, Para comer meus próprios semelhantes Eis-me sentado à mesa! Como porções de carne morta... Ai! Como Os que, como eu, têm carne, com este assomo Que a espécie humana em comer carne tem!... Como! E pois que a Razão me não reprime, Possa a terra vingar-se do meu crime Comendo-me também. - Augusto Dos Anjos

+ Vozes de um túmulo Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho Destes meus olhos apagou!... Assim Tântalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu próprio filho! Por que para este cemitério vim?! Por quê?! Antes da vida o angusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho E que me assombra, porque não tem fim! No ardor do sonho que o fronema exalta Construí de orgulho ênea pirâmide alta, Hoje, porém, que se desmoronou A pirâmide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou matéria e entulho Tenho consciência de que nada sou! - Augusto Dos Anjos

+ Versos a um coveiro Numerar sepulturas e carneiros, Reduzir carnes podres a algarismos, Tal é, sem complicados silogismos, A aritmética hedionda dos coveiros! Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros, Na progressão dos números inteiros A gênese de todos os abismos! Oh! Pitágoras da última aritmética, Continua a contar na paz ascética Dos tábidos carneiros sepulcrais Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros, Porque, infinita como os próprios números A tua conta não acaba mais! - Augusto Dos Anjos

+ Último credo Como ama o homem adúltero o adultério E o ébrio a garrafa tóxica de rum, Amo o coveiro este ladrão comum Que arrasta a gente para o cemitério! É o transcendentalíssimo mistério! É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum, É a morte, é esse danado número Um, Que matou Cristo e que matou Tibério. Creio como o filósofo mais crente, Na generalidade decrescente Com que a substância cósmica evolue... Creio, perante a evolução imensa, Que o homem universal de amanhã vença O homem particular que eu ontem fui! - Augusto Dos Anjos

+ Vozes da morte Agora, sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura, Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos! Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos! E a podridão, meu velho! E essa futura Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos! Não morrerão, porém, tuas sementes! E assim, para o Futuro, em diferentes Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos, Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte inda teremos filhos! - Augusto Dos Anjos

+ Última Visio Quando o homem resgatado da cegueira Vir Deus num simples grão de argila errante, Terá nascido nesse mesmo instante A mineralogia derradeira! A impérvia escuridão obnubilante Há de cessar! Em sua glória inteira Deus resplandecerá dentro da poeira Como um gasofiláceo de diamante! Nessa última visão já subterrânea, Um movimento universal de insânia Arrancará da insciência o homem precito... A Verdade virá das pedras mortas E o homem compreenderá todas as portas Que ele ainda tem de abrir para o Infinito! - Augusto Dos Anjos