Frases de Caio Fernando Abreu

+ Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto, mas se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada. Tenho pensado se não guardarei indisfarçáveis remendos das muitas quedas, dos muitos toques, embora sempre os tenha evitado aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes para despertar a suavidade alheia, e mesmo assim insisto - meus gestos e palavras são magrinhos como eu, e tão morenos que, esboçados à sombra, mal se destacam do escuro, quase imperceptível me movo, meus passos são inaudíveis feito pisasse sempre sobre tapetes, impressentida, mãos tão leves que uma carícia minha, se porventura a fizesse, seria mais branda que a brisa da tardezinha. Mas desde que, há duas semanas, uma cigana desvendou as fracas linhas das palmas de minha mão, pouco sossego encontro até em meu próprio sossego: dois amores, ela apontou, um já passado, e com amargura localizei na memória aquele sôfrego estudante, e outro em breve por chegar. Desde então, me desconheço. Abreviaram-se-me as idas ao banheiro para molhar os pulsos e os lóbulos das orelhas, animando a circulação que se me estanca nas veias, por vezes olvido a torneira aberta e surpreendo-me a odiar minhas próprias tranças, as manchas roxas sob os olhos e tudo que me torna assim, fugaz. Mal posso conter um susto investigando o porte de cada homem que se aproxima, em cada esquina que dobro, em cada ônibus que tomo para ir e vir, sinto que busco prometido e me detesto por essa inquietação febril, pelo amor que desconheço e mal consigo supor, tão parca é minha vida de memórias ou medidas. Esforço-me por dar-lhe pinceladas tênues, não me atrevo aos óleos nem aos acrílicos, é nos guaches e sobretudo nas aquarelas que procuro o verde esmaecido de sua tez, mas por vezes alguma coisa se alvoroça e me surpreendo alucinada, incontrolável, a chafurdar em tintas fortes, berrantes cores primárias, formas toscas, símbolos sensuais, e é então que mergulho em banhos gelados no meio da noite para apaziguar a carne incompreensível, fremente qual Teresa d’Ávila, afogada entre lençóis, as palavras da cigana me embalando feito uma berceuse, imagino se não será o próprio Senhor este que se aproxima, e não conheço. Em cada junho, sei que não suportarei o próximo agosto, me debato elaborando aquela futura tarde gris para encontrá-lo - não aqui, entre torpezas, mas numa outra dimensão de luz maior, além de meu próprio corpo, irmão-burro aprisionado pelos instintos, num espaço discreto e contido como eu mesma venho sendo através destas quase três décadas que, álgida, sobrepujei. Sobrevivo a cada manhã quando, cruzando as portas e corredores que me conduzem às ruas intermináveis, imagino sempre que sou invisível para cada um dos que passam. Ninguém suspeita de meu segredo, caminho severa pelas calçadas, olhos baixos para que minha sede não transpareça: ah sou tão morena e magrinha que ninguém me adivinha assim como tenho andado - castamente cinzelada no topo deste morro onde os ventos não cessam jamais de uivar, tendo entre as mãos, como quem segura lírios maduros dos campos, uma espera tão reluzente que já é certeza. - Caio Fernando Abreu

+ Não estou fazendo nada errado, só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas. - Caio Fernando Abreu

+ Meu Deus, afasta de mim os venenos diários de quem não acrescenta, só diminui... - Caio Fernando Abreu

+ Me dói a possibilidade de um não, me dói a possibilidade de um silêncio… - Caio Fernando Abreu

+ Mas queria que você entendesse os meus poços escuros, os meus becos - que me fazem mergulhar em silêncios às vezes longos. - Caio Fernando Abreu

+ Já não sou o mesmo, como você também não é. Endureci um pouco, desacreditei muito das coisas, sobretudo das pessoas e suas boas intenções. - Caio Fernando Abreu

+ Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre. - Caio Fernando Abreu

+ Existem pessoas, que de uma certa forma mágica, permanecem em nosso coração apesar da distância e também das circunstâncias. - Caio Fernando Abreu

+ Eu sei o que você pensa quando olha pra mim. Talvez se eu fosse mais comportada, falasse mais baixo e não chamasse tanta atenção. Talvez se eu bebesse um pouco menos, te desse menos trabalho e não fosse tão do agora. Talvez se eu não tivesse chegado tão perto, nem te tocado tão fundo, nem sido tão eu... talvez haveria alguma possibilidade. - Caio Fernando Abreu

+ Eu queria que não fosse assim, que não tivesse sido assim. Mas não consegui evitar. A semente recusava-se a vir à tona, eu nem sempre tinha tempo ou vontade de regá-la, e não chovia mais – foi isso que aconteceu. - Caio Fernando Abreu

+ ‎Eu acredito no mecanismo do infinito. O dia de amanhã cuidará do dia de amanhã e tudo chegará no tempo exato. - Caio Fernando Abreu

+ Está tudo planejado: se amanhã o dia for cinzento, se houver chuva se houver vento, ou se eu estiver cansado dessa antiga melancolia cinza fria sobre as coisas conhecidas pela casa a mesa posta e gasta está tudo planejado apago as luzes, no escuro e abro o gás de-fi-ni-ti-va-men-te ou então visto minhas calças vermelhas e procuro uma festa onde possa dançar rock até cair. - Caio Fernando Abreu

+ E se eu mudasse meu destino num passe de mágica? (...) Estranho, mas é sempre como se houvesse por trás do livre-arbítrio um roteiro fixo, pré-determinado, que não pode ser violado. - Caio Fernando Abreu

+ É assim: de vez em quando, uma coisa só começa mesmo a existir quando você também começa a prestar atenção na existência dela. Quando a gente começa a gostar duma pessoa, é bem assim. - Caio Fernando Abreu

+ Dessa vez não vou querer tudo de uma vez, porque sempre acabo ficando sem nada no final. - Caio Fernando Abreu

+ De repente já estou no fim dos 20 e não tenho nada do que as pessoas costumam ter nessa idade. Tenho planos, claro (todo mundo tem). Mas objetivamente estou sem nada aqui à minha frente. O momento futuro é uma incógnita absoluta. Eu não posso pensar ‘não, daqui a um ano eu vou pro campo ou eu caso ou eu me formo ou eu vou à Europa’. Eu não sei. Fico esperando que pinte alguma coisa, naturalmente. E essa falta de ação me esmaga um pouco. - Caio Fernando Abreu

+ Completamente insano, mas extremamente sábio. - Caio Fernando Abreu

+ Alguma coisa explodiu, partida em cacos. A partir de então, tudo ficou ainda mais complicado. E mais real. - Caio Fernando Abreu

+ Alguma coisa aconteceu comigo. Alguma coisa tão estranha que ainda não aprendi o jeito de falar claramente sobre ela. Quando souber finalmente o que foi, essa coisa estranha, saberei também esse jeito. Então serei claro, prometo. Para você, para mim mesmo. Como sempre tentei ser. Mas por enquanto, e por favor, tente entender o que tento dizer. - Caio Fernando Abreu

+ Acredito que quando alguém chora sem motivo é para aliviar todas as vezes que ela engoliu o choro e colocou um sorriso falso em seu rosto. - Caio Fernando Abreu

+ Vou sair para ver o mar e me perder entre os labirintos que distanciam nossos passos. Vou te procurar entre as estrelas e os satélites distraídos, que confusos me ditaram caminhos errados e esparsos. - Caio Fernando Abreu

+ Tento me concentrar numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada. - Caio Fernando Abreu

+ Te escrevi duas vezes: a primeira saiu uma coisa sincera, mas lamentativa demais, um saco. A segunda saiu “madura e controlada”, mas extremamente falsa. - Caio Fernando Abreu

+ - Sabe qual é o seu problema? Você não deixa as pessoas com gostinho de quero mais. - Como assim? - Você distribui doce todo dia. Isso enjoa! - Caio Fernando Abreu

+ Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores e conceitos. - Caio Fernando Abreu