Frases de Cecília Meireles
+ "Não te encontro, não te alcanço... Só — no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva, fico: recebida e dada." - Cecília Meireles
+ “Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens... não queiras ser o de amanhã”... (do livro "Cânticos", 1982.) - Cecília Meireles
+ Na grande noite tristonha, Meu pensamento parado Tem quietudes de cegonha Numa beira de telhado. - Cecília Meireles
+ Na chácara do Chico Bolacha o que se procura nunca se acha! Quando chove muito, O Chico brinca de barco, porque a chácara vira charco. Quando não chove nada, Chico trabalha com a enxada e logo se machuca e fica de mão inchada. Por isso, com o Chico Bolacha, o que se procura nunca se acha. Dizem que a chácara do Chico só tem mesmo chuchu e um cachorrinho coxo que se chama Caxambu. Outras coisas, ninguém procura, porque não acha. Coitado do Chico Bolacha! - Cecília Meireles
+ Música Noite perdida, não te lamento: embarco a vida no pensamento, busco a alvorada do sonho isento, puro e sem nada, - rosa encarnada, intacta, ao vento. Noite perdida, noite encontrada, morta, vivida, e ressuscitada... (Asa da lua quase parada, mostra-me a sua sombra escondida, que continua a minha vida num chão profundo! - raiz prendida a um outro mundo.) Rosa encarnada do sonho isento, muda alvorada que o pensamento deixa confiada ao tempo lento... Minha partida, minha chegada, é tudo vento... Ai da alvorada! Noite perdida, noite encontrada... - Cecília Meireles
+ Meus pensamentos não significam nada, seus sentimentos são tudo quero que fique ou que vá, ninguém sabe. - Cecília Meireles
+ Mas quem falou de deserto, sem antes ver meus olhos - falou, mas não estava certo. - Cecília Meireles
+ Mar Absoluto Foi desde sempre o mar, E multidões passadas me empurravam como o barco esquecido. Agora recordo que falavam da revolta dos ventos, de linhos, de cordas, de ferros, de sereias dadas à costa. E o rosto de meus avós estava caído pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas, e pelos mares do Norte, duros de gelo. Então, é comigo que falam, sou eu que devo ir. Porque não há ninguém, tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos. E tenho de procurar meus tios remotos afogados. Tenho de levar-lhes redes de rezas, campos convertidos em velas, barcas sobrenaturais com peixes mensageiros e cantos náuticos. E fico tonta. acordada de repente nas praias tumultuosas. E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos. "Para adiante! Pelo mar largo! Livrando o corpo da lição da areia! Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!" Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas. A solidez da terra, monótona, parece-mos fraca ilusão. Queremos a ilusão grande do mar, multiplicada em suas malhas de perigo. Queremos a sua solidão robusta, uma solidão para todos os lados, uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo, e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia. O alento heróico do mar tem seu pólo secreto, que os homens sentem, seduzidos e medrosos. O mar é só mar, desprovido de apegos, matando-se e recuperando-se, correndo como um touro azul por sua própria sombra, e arremetendo com bravura contra ninguém, e sendo depois a pura sombra de si mesmo, por si mesmo vencido. É o seu grande exercício. Não precisa do destino fixo da terra, ele que, ao mesmo tempo, é o dançarino e a sua dança. Tem um reino de metamorfose, para experiência: seu corpo é o seu próprio jogo, e sua eternidade lúdica não apenas gratuita: mas perfeita. Baralha seus altos contrastes: cavalo, épico, anêmona suave, entrega-se todos, despreza ritmo jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado, cego, nu, dono apenas de si, da sua terminante grandeza despojada. Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões: água de todas as possibilidades, mas sem fraqueza nenhuma. E assim como água fala-me. Atira-me búzios, como lembranças de sua voz, e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino. Não me chama para que siga por cima dele, nem por dentro de si: mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom. Não me quer arrastar como meus tios outrora, nem lentamente conduzida. como meus avós, de serenos olhos certeiros. Aceita-me apenas convertida em sua natureza: plástica, fluida, disponível, igual a ele, em constante solilóquio, sem exigências de princípio e fim, desprendida de terra e céu. E eu, que viera cautelosa, por procurar gente passada, suspeito que me enganei, que há outras ordens, que não foram ouvidas; que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos, e o mar a que me mandam não é apenas este mar. Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças, mas outro, que se parece com ele como se parecem os vultos dos sonhos dormidos. E entre água e estrela estudo a solidão. E recordo minha herança de cordas e âncoras, e encontro tudo sobre-humano. E este mar visível levanta para mim uma face espantosa. E retrai-se, ao dizer-me o que preciso. E é logo uma pequena concha fervilhante, nódoa líquida e instável, célula azul sumindo-se no reino de um outro mar: ah! do Mar Absoluto. - Cecília Meireles
+ Liberdade essa palavra, que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda. (Do "Romanceiro da Inconfidência) - Cecília Meireles
+ Leva o arco-íris em cada fio do cabelo. Em sua pele, madrepérolas hesitantes pintam leves alvoradas de neblina. Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem. É apenas o vento que vai levando o seu corpo pelas alamedas. A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro. - Cecília Meireles
+ Imaginária serenata Vejo-te passando por aquela rua mais aquele amigo que encontraram morto. E pergunto quando poderei ser tua, se vens ter comigo, de tão negro porto. Ah, quem põe cadeias também nos meus braços? Quem minha alma assombra com tanto perigo? Em sonho rodeias meus ocultos passos. Ouve a tua sombra o que, longe, digo? Vejo-te na igreja, vejo-te na ponte, vejo-te na sala... Todo o meu castigo é que não me veja, também, no horizonte. Que ouça a tua fala sem me ver contigo. Na minha janela, pousa a luz da lua. lá não mais consigo descanso em meu sono. Pela noite bela, o amor continua. Deita-me consigo aos pés do seu dono. - Cecília Meireles
+ Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos diaslímpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz. Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz. Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz. Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim. - Cecília Meireles
+ "Homem vulgar! Homem de coração mesquinho! Eu te quero ensinar a arte sublime de rir. Dobra essa orelha grosseira, e escuta o ritmo e o som da minha gargalhada: Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!”. ( do poema "Gargalhada.) - Cecília Meireles
+ Fui Mirar-me Cecília Meireles Fui mirar-me num espelho e era meia-noite em ponto. Caiu-me o cristal das mãos como as lembranças do sono. Partiu-se meu rosto em chispas como as estrelas num poço. Partiu-se meu rosto em cismas - que era meia-noite em ponto. Dizei-me se é morte certa, que me deito e me componho, fecho os olhos, cruzo os dedos sobre o coração tão louco. E digo às nuvens dos anjos: "Ide-vos pelo céu todo, avisai a quem me amava que aqui docemente morro. Pedi que fiquem amando meu coração silencioso e a música dos meus dedos tecida com tanto sonho. De volta, achareis minha alma tranqüila de estar sem corpo. Rebanhos de amor eterno passarão pelo meu rosto - Cecília Meireles
+ Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. - Cecília Meireles
+ Falai de Deus com a clareza - Cecília Meireles Falai de Deus com a clareza da verdade e da certeza: com um poder de corpo e alma que não possa ninguém, à passagem vossa, não O entender. Falai de Deus brandamente, que o mundo se pôs dolente, tão sem leis. Falai de Deus com doçura, que é difícil ser criatura: bem o sabeis. Falai de Deus de tal modo que por Ele o mundo todo tenha amor à vida e à morte, e, de vê-Lo, O escolha como modelo superior. Com voz, pensamentos e atos representai tão exatos os reinos seus que todos vão livremente para esse encontro excelente. Falai de Deus. - Cecília Meireles
+ Fácil é dizer "para sempre" Difícil saber ate onde ressoa Tao grande juramento é onde esta para nós a eternidade o firme bronze onde escreveremos nossa voz ? . - Cecília Meireles
+ “Eu canto porque o instante existe E a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta”. (do livro "Viagem", 1939.) - Cecília Meireles
+ ESPELHO CEGO Onde a face de prata e cristal puro, e aquela deslumbrante exatidão que revela o mais breve aceno obscuro e o compasso das lágrimas, e a seta que de repente galga os céus do olhar e em margens sobre-humanas se projeta? Onde as auroras? Onde, os labirintos, - e o frêmito, que rasga o peso ao mar, - e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos? Ah, - que fazes do rosto que te entrego? - Musgos imóveis sobre a sua luz... Limos...Liquens - Opaco espelho cego! - Cecília Meireles
+ É mais fácil pousar os ouvidos nas nuvens e sentir passar as estrelas do que prendê-lo à terra e alcançar o rumo dos teus passos . - Cecília Meireles
+ Contemplação Não acuso. Nem perdôo. Nada sei. De nada. Contemplo. Quando os homens apareceram eu não estava presente. Eu não estava presente, quando a terra se desprendeu do sol. Eu não estava presente, quando o sol apareceu no céu. E antes de haver o céu, EU NÃO ESTAVA PRESENTE. Como hei de acusar ou perdoar? Nada sei. Contemplo. - Cecília Meireles
+ CHAMA CHUVA Chama o Alexandre! Chama! Olha a chuva que chega! É a enchente. Olha o chão que foge com a chuva ... Olha a chuva que encharca a gente. Põe a chave na fechadura. Fecha a porta por causa da chuva, olha a rua como se enche! Enquanto chove bota a chaleira no fogo: olha a chama! Olha a chispa. Olha a chuva nos feixes de lenha! Vamos tomar chá pois a chuva é tanta que nem de galocha se pode andar na rua cheia! Chama o Alexandre! Chama! ** "Enchente". - Cecília Meireles
+ Brumoso navio o que me carrega por um mar abstrato. Que insigne alvedrio prende à ideia cega teu vago retrato? - Cecília Meireles
+ Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados. - Cecília Meireles
+ As Meninas Arabela abria a janela. Carolina erguia a cortina. E Maria olhava e sorria: "Bom dia!" Arabela foi sempre a mais bela. Carolina, a mais sábia menina. E Maria apenas sorria: "Bom dia!" Pensaremos em cada menina que vivia naquela janela; uma que se chamava Arabela, uma que se chamou Carolina. Mas a profunda saudade é Maria, Maria, Maria, que dizia com voz de amizade: "Bom dia!" - Cecília Meireles