Frases de Cecília Meireles
+ Se não chover nem ventar, se a lua e o sol forem limpos e houver festa pelo mar, - ir-te-ei visitar. Se o chão se cobrir de flor, e o endereço estiver claro, e o mundo livre de dor, - ir-te-ei ver, amor. Se o tempo não tiver fim, se a terra e o céu se encontrarem à porta do teu jardim - espera por mim. Cantarei minha canção com violas de eternamente que são de alma e em alma estão. - De outro modo, não. - Cecília Meireles
+ Canção Não te fies do tempo nem da eternidade, que as nuvens me puxam pelos vestidos, que os ventos me arrastam contra o meu desejo! Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã morro e não te vejo! Não demores tão longe, em lugar tão secreto, nácar de silêncio que o mar comprime, ó lábio, limite do instante absoluto! Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã eu morro e não te escuto! Aparece-me agora, que ainda reconheço a anêmona aberta na tua face e em redor dos muros o vento inimigo... Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã eu morro e não te digo... - Cecília Meireles
+ Também é ser, deixar de ser assim. - Cecília Meireles
+ Sou entre flor e nuvem, estrela e mar. Por que havemos de ser unicamente humanos, limitados em chorar? Não encontro caminhos fáceis de andar. Meu rosto vário desorienta as firmes pedras que não sabem de água e de ar. E por isso levito. É bom deixar um pouco de ternura e encanto indiferente de herança, em cada lugar. Rastro de flor e de estrela, nuvem e mar. Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido: a sombra é que vai devagar. - Cecília Meireles
+ HORÁRIO DE TRABALHO Depois da treze poderei sofrer: antes, não. Tenho os papéis, tenho os telefonemas, tenho as obrigações, à hora-certa. Depois irei almoçar vagamente para sobreviver, para aguentar o sofrimento. Então, depois das treze, todos os deveres cumpridos, disporei o material da dor com a ordem necessária para prestar atenção a cada elemento: acomodarei no coração meus antigos punhais, distribuirei minhas cotas de lágrimas. Terminado esse compromisso, voltarei ao trabalho habitual. - Cecília Meireles
+ E por perder-me é que me vão lembrando, por desfolhar-me é que não tenho fim. - Cecília Meireles
+ Em mim, não vejo começo nem fim - Cecília Meireles
+ O choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e caia. O choro vem quase chorando, como a onda que toca na praia. Descem dos céus ordens augustas e o mar leva a onda para o centro. O choro foge sem vestígios, mas deixando náufragos dentro! - Cecília Meireles
+ Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender. - Cecília Meireles
+ EXPLICAÇÃO O pensamento é triste; o amor, insuficiente; e eu quero sempre mais do que vem nos milagres. Deixo que a terra me sustente: guardo o resto para mais tarde. Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece. A antigos ventos dei as lágrimas que tinha. A estrela sobe, a estrela desce... - espero a minha própria vinda. (Navego pela memória sem margens. Alguém conta a minha história e alguém mata os personagens.) - Cecília Meireles
+ Essas e outras mortes ocorridas na família me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade. - Cecília Meireles
+ A palavra liberdade vive na boca de todos: quem não a proclama aos gritos murmura-a em tímido sopro - Cecília Meireles
+ Marcha As ordens da madrugada romperam por sobre os montes: nosso caminho se alarga sem campos verdes nem fontes. Apenas o sol redondo e alguma esmola de vento quebram as formas do sono com a idéia do movimento. Vamos a passo e de longe; entre nós dois anda o mundo, com alguns vivos pela tona, com alguns mortos pelo fundo. As aves trazem mentiras de países sem sofrimento. Por mais que alargue as pupilas, mais minha dúvida aumento. Também não pretendo nada senão ir andando à toa, como um número que se arma e em seguida se esboroa, - e cair no mesmo poço de inércia e de esquecimento, onde o fim do tempo soma pedras, águas, pensamento. Gosto da minha palavra pelo sabor que lhe deste: mesmo quando é linda, amarga como qualquer fruto agreste. Mesmo assim amarga, é tudo que tenho, entre o sol e o vento: meu vestido, minha música, meu sonho e meu alimento. Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade; tenho visto muita coisa, menos a felicidade. Soltam-se os meus dedos tristes, dos sonhos claros que invento. Nem aquilo que imagino já me dá contentamento. Como tudo sempre acaba, oxalá seja bem cedo! A esperança que falava tem lábios brancos de medo. O horizonte corta a vida isento de tudo, isento... Não há lágrima nem grito: apenas consentimento. - Cecília Meireles
+ Os que sabem o que querem e querem o que têm! Sonhar um sonho a dois e nunca desistir da busca de ser feliz é para poucos! - Cecília Meireles
+ Chorarei quando for preciso... Depois, tudo estará perfeito... Meus olhos secos como pedra. - Cecília Meireles
+ De que são feitos os dias? - De pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças. - Cecília Meireles
+ Não queira ser Não ambiciones Não marques limites no teu caminho A eternidade é muito longa E dentro dela tu te mover, eterno Se o que vem o que vai Sem forma Sem termo Como uma grande luz difusa Filha de nenhum sol. - Cecília Meireles
+ O vento é o mesmo. Mas sua resposta é diferente em cada folha. Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar par poder voltar sempre inteira. - Cecília Meireles
+ Não faças de ti um sonho a realizar. Vai. Sem caminho marcado. Tu és o de todos os caminhos. - Cecília Meireles
+ Felicidade, és coisa estranha e dolorosa: Fizeste para sempre a vida ficar triste: Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste. - Cecília Meireles
+ Eu sou essa pessoa a quem o vento chama, a que não se recusa a esse final convite, em máquinas de adeus,sem tentação de volta. Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza: Eu sou essa pessoa a quem o vento leva: já de horizontes libertada,mas sozinha. Se a Beleza sonhada é maior que a vivente, dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ? Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga. Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas vão as medidas que separam os abraços. Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina: Agora és livre,se ainda recordas (Solombra, p. 794) - Cecília Meireles
+ ASSIM MORO em meu sonho: como um peixe no mar. O que sou é o que vejo. Vejo e sou meu olhar. Água é o meu próprio corpo, simplesmente mais denso. E meu corpo é minha alma, e o que sinto é o que penso. Assim vou no meu sonho. Se outra fui, se perdeu. É o mundo que me envolve? Ou sou contorno seu? Não é noite nem dia, não é morte nem vida: é viagem noutro mapa, sem volta nem partida. Ó céu da liberdade, por onde o coração já nem sofre, sabendo que bateu sempre em vão. - Cecília Meireles
+ TODOS ACORDAMOS TRISTES Todos acordamos tristes e impacientes: que melancolia desceu na chuva da noite? Que sonhos teve cada um de nós, já esquecidos e ainda atuantes? Que anjos amargos ficaram à nossa cabeceira? Todos acoradamos com o coração pesado e os lábios aflitos. Que bebida acerba nos foi vertida dos céus? Que confidências nos fizeram os mortos e os Santos? Nossos olhos abriram-se a custo, sob muito sal. Nossos braços estavam sem força, ao despertar do dia. Por que montanhas caminhamos, de íngreme pedra? Que desertos atravessamos, de vento e areia? Em que mares deixamos a sombra do nosso vulto? Acordamos despojados, divididos, dolentes, e, exaustos, começamos a recompor aquilo que, sem nenhuma certeza, supomos, no entanto, ser, em alma e esperança. - Cecília Meireles
+ MURMÚRIO Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia! Um pouco de sombra, apenas, - vê que nem te peço alegria. Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração! A alvura, apenas, dos ares: - vê que nem te peço ilusão. Traze-me um pouco da tua lembrança, aroma perdido, saudade da flor! - Vê que nem te digo - esperança! - Vê que nem sequer sonho - amor! - Cecília Meireles
+ Vigília das Mães Nossos filhos viajam pelos caminhos da vida, pelas águas salgadas de muito longe, pelas florestas que escondem os dias, pelo céu, pelas cidades, por dentro do mundo escuro de seus próprios silêncios. Nossos filhos não mandam mensagens de onde se encontram. Este vento que passa pode dar-lhes a morte. A vaga pode levá-los para o reino do oceano. Podem estar caindo em pedaços, como estrelas. Podem estar sendo despedaçados em amor e lágrima. Nossos filhos têm outro idioma, outros olhos, outra alma. Não sabem ainda os caminhos de voltar, somente os de ir. Eles vão para seus horizontes, sem memória ou saudade, não querem prisão, atraso, adeuses: deixam-se apenas gostar, apressados e inquietos. Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos, querem ir sozinhos, e não sabemos por onde andam. Não sabemos quando morrem, quando riem, são pássaros sem residência nem família à superfície da vida. Nós estamos aqui, nesta vigília inexplicável, esperando o que não vem, o rosto que já não conhecemos. Nossos filhos estão onde não vemos nem sabemos. Nós somos as doloridas do mal que talvez não sofram, mas suas alegrias não chegam nunca à solidão de que vivemos, seu único presente, abundante e sem fim. - Cecília Meireles