Frases de José Carlos Ary Dos Santos

+ A mulher não é só casa mulher-loiça, mulher-cama ela é também mulher-asa, mulher-força, mulher-chama. É preciso dizer dessa antiga condição. A mulher soube trazer a cabeça e o coração. Trouxe a fábrica ao seu lar e ordenado à cozinha e impôs a trabalhar a razão que sempre tinha. Trabalho não só de parto, mas também de construção para um filho crescer farto para um filho crescer são. A posse vai-se acabar no tempo da liberdade o que importa é saber estar juntos em pé de igualdade. Desde que as coisas se tornem naquilo que a gente quer é igual dizer meu homem ou dizer minha mulher. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Estrela da tarde Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia Meu amor, meu amor Minha estrela da tarde Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza Se tu és a alegria ou se és a tristeza Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto! - José Carlos Ary Dos Santos

+ Cidade A cidade é um chão de palavras pisadas a palavra criança a palavra segredo. A cidade é um céu de palavras paradas a palavra distância e a palavra medo. A cidade é um saco um pulmão que respira pela palavra água pela palavra brisa A cidade é um poro um corpo que transpira pela palavra sangue pela palavra ira. A cidade tem praças de palavras abertas como estátuas mandadas apear. A cidade tem ruas de palavras desertas como jardins mandados arrancar. A palavra sarcasmo é uma rosa rubra. A palavra silêncio é uma rosa chá. Não há céu de palavras que a cidade não cubra não há rua de sons que a palavra não corra à procura da sombra de uma luz que não há. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Rosa Vermelha Trago uma rosa vermelha aberta dentro do peito e já não sei se é comigo se é contigo que me deito. A minha rosa vermelha mais parece uma romã pois quando aberta de noite não se fecha de manhã. Trago uma rosa vermelha na minha boca encarnada quem me dera ser abelha de tua boca fechada. Trago uma rosa vermelha não preciso de mais nada. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Poesia-Orgasmo De silabas de letras de fonemas se faz a escrita. Não se faz um verso. Tem de correr no corpo dos poemas o sangue das artérias do universo. Cada palavra há-de ser um grito. Um murmurio um gemido uma erecção que transporte do humano ao infinito a dor o fogo a flor a vibração. A poesia é de mel ou de cicuta? Quando um poeta se interroga e escuta ouve ternura luta espanto ou espasmo? Ouve como quiser seja o que for fazer poemas é escrever amor a poesia o que tem de ser é orgasmo. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo meu irmão minha amêndoa meu amigo meu tropel de ternura minha casa meu jardim de carência minha asa. Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo um caminho de nardos empestados uma intensa e terrífica ternura rodeado de cardos por muitíssimos lados. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Original é o poeta que chegar ao despudor de escrever todos os dias como se fizesse amor. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Original é o poeta de origem clara e comum que sendo de toda a parte não é de lugar algum. O que gera a própria arte na força de ser só um por todos a quem a sorte faz devorar um jejum. Original é o poeta que de todos for só um. - José Carlos Ary Dos Santos

+ O Poema Original Original é o poeta que se origina a si mesmo que numa sílaba é seta noutro pasmo ou cataclismo o que se atira ao poema como se fosse um abismo e faz um filho ás palavras na cama do romantismo. Original é o poeta capaz de escrever um sismo. Original é o poeta de origem clara e comum que sendo de toda a parte não é de lugar algum. O que gera a própria arte na força de ser só um por todos a quem a sorte faz devorar um jejum. Original é o poeta que de todos for só um. Original é o poeta expulso do paraíso por saber compreender o que é o choro e o riso; aquele que desce á rua bebe copos quebra nozes e ferra em quem tem juízo versos brancos e ferozes. Original é o poeta que é gato de sete vozes. Original é o poeta que chegar ao despudor de escrever todos os dias como se fizesse amor. Esse que despe a poesia como se fosse uma mulher e nela emprenha a alegria de ser um homem qualquer. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Em ti persigo em ti percorro cavalo à solta pela margem do teu corpo. Minha alegria minha amargura minha coragem de correr contra a ternura. Por isso digo canção castigo amêndoa travo corpo alma amante amigo por isso canto por isso digo alpendre casa cama arca do meu trigo. Meu desafio minha aventura minha coragem de correr contra a ternura. - José Carlos Ary Dos Santos

+ Das prensas dos martelos das bigornas das foices dos arados das charruas das alfaias dos cascos e das dornas é que nasce a canção que anda nas ruas. Um povo não é livre em águas mornas não se abre a liberdade com gazuas, à força do teu braço é que transformas as fábricas e as terras que são tuas. Abre os olhos e vê. Sê vigilante a reação não passará diante do teu punho fechado contra o medo. Levanta-te meu Povo. Não é tarde. Agora é que o mar canta é que o sol arde pois quando o povo acorda é sempre cedo. - José Carlos Ary Dos Santos