Frases de Manuel Bandeira

+ Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até no que não é dito com palavras, mas fica no ar... - Manuel Bandeira

+ ARTE DE AMAR Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus - ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. - Manuel Bandeira

+ Irene no Céu Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. - Manuel Bandeira

+ Neologismo Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo: Teadoro, Teodora. - Manuel Bandeira

+ O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. - Manuel Bandeira

+ O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. - Manuel Bandeira

+ Vivo nas estrelas porque é lá que brilha a minha alma. - Manuel Bandeira

+ Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples. - Manuel Bandeira

+ Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. - Manuel Bandeira

+ Madrigal Melancólico O que eu adoro em ti Não é a tua beleza A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito E a beleza é triste Não é triste em si Mas pelo que há nela De fragilidade e incerteza O que eu adoro em ti Não é a tua inteligência Não é o teu espírito sutil Tão ágil e tão luminoso Ave solta no céu matinal da montanha Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti Não é a tua graça musical Sucessiva e renovada a cada momento Graça aérea como teu próprio momento Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti Não é a mãe que já perdi E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que adoro em ti lastima-me e consola-me: O que eu adoro em ti é a vida! - Manuel Bandeira

+ Poética Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas. Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare. - Não quero saber do lirismo que não é libertação. - Manuel Bandeira

+ Teresa A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas Achei também que a cara parecia uma perna Quando vi Teresa de novo Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. - Manuel Bandeira

+ O Impossível Carinho Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo Quero apenas contar-te a minha ternura Ah se em troca de tanta felicidade que me dás Eu te pudesse repor -Eu soubesse repor_ No coração despedaçado As mais puras alegrias de tua infância! - Manuel Bandeira

+ Cantiga Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero me afogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a estrela-d'alva Rainha do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar. (Estrela da Manhã) - Manuel Bandeira

+ Desencanto Eu faço versos como quem chora De desalento. . . de desencanto. . . Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . . Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. – Eu faço versos como quem morre. - Manuel Bandeira

+ Brisa Vamos viver no Nordeste, Anarina. Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha. Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante. Aqui faz muito calor. No Nordeste faz calor também. Mas lá tem brisa: Vamos viver de brisa, Anarina. - Manuel Bandeira

+ Auto-retrato Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional. - Manuel Bandeira

+ A Morte Absoluta Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão - felizes! - num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, - Sem deixar sequer esse nome. - Manuel Bandeira

+ Resposta a Vinicius Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais. Lúcido, sim; eleito, não; E bem triste de tantos ais Que me enchem a imaginação. Com que sonho? Não sei bem não. Talvez com me bastar, feliz – Ah, feliz como jamais fui! – Arrancando do coração – Arrancando pela raiz – Este anseio infinito e vão De possuir o que me possui. - Manuel Bandeira

+ Meu Quintana Meu Quintana, os teus cantares Não são, Quintana, cantares: São, Quintana, quintanares. Quinta-essência de cantares... Insólitos, singulares... Cantares? Não! Quintanares! Quer livres, quer regulares, Abrem sempre os teus cantares Como flor de quintanares. São cantigas sem esgares. Onde as lágrimas são mares De amor, os teus quintanares. São feitos esses cantares De um tudo-nada: ao falares, Luzem estrelas luares. São para dizer em bares Como em mansões seculares Quintana, os teus quintanares. Sim, em bares, onde os pares Se beijam sem que repares Que são casais exemplares. E quer no pudor dos lares. Quer no horror dos lupanares. Cheiram sempre os teus cantares Ao ar dos melhores ares, Pois são simples, invulgares. Quintana, os teus quintanares. Por isso peço não pares, Quintana, nos teus cantares... Perdão! digo quintanares. - Manuel Bandeira

+ Poemeto Erótico Teu corpo claro e perfeito, – Teu corpo de maravilha, Quero possuí-lo no leito Estreito da redondilha... Teu corpo é tudo o que cheira... Rosa... flor de laranjeira... Teu corpo, branco e macio, É como um véu de noivado... Teu corpo é pomo doirado... Rosal queimado do estio, Desfalecido em perfume... Teu corpo é a brasa do lume... Teu corpo é chama e flameja Como à tarde os horizontes... É puro como nas fontes A água clara que serpeja, Quem em antigas se derrama... Volúpia da água e da chama... A todo o momento o vejo... Teu corpo... a única ilha No oceano do meu desejo... Teu corpo é tudo o que brilha, Teu corpo é tudo o que cheira... Rosa, flor de laranjeira... - Manuel Bandeira

+ A Estrela Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Era uma estrela tão alta! Era uma estrela tão fria! Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia. Por que da sua distância Para a minha companhia Não baixava aquela estrela? Por que tão alto luzia? E ouvi-a na sombra funda Responder que assim fazia Para dar uma esperança Mais triste ao fim do meu dia. - Manuel Bandeira

+ Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. — Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples! - Manuel Bandeira

+ Amizade é como flores, não podemos deixar de regá-las, mas também não podemos regá-las muito. - Manuel Bandeira

+ Café com pão Café com pão Café com pão Virge Maria que foi isto maquinista? Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita força Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho De ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... Quando me prendero No canaviá Cada pé de cana Era um oficiá Oô... Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matá minha sede Oô... Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no Sertão Sou de Ouricuri Oô... Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente... - Manuel Bandeira