Frases de Mia Couto

+ - Estou cansado, pai. - Cansado de quê? Se você não faz nada, de manhã à noite? - Não viver é o que mais cansa. - Mia Couto

+ COMPANHEIROS quero escrever-me de homens quero calçar-me de terra quero ser a estrada marinha que prossegue depois do último caminho e quando ficar sem mim não terei escrito senão por vós irmãos de um sonho por vós que não sereis derrotados deixo a paciência dos rios a idade dos livros mas não lego mapa nem bússola porque andei sempre sobre meus pés e doeu-me às vezes viver hei-de inventar um verso que vos faça justiça por ora basta-me o arco-íris em que vos sonho basta-te saber que morreis demasiado por viverdes de menos mas que permaneceis sem preço companheiros - Mia Couto

+ Não penso na velhice, tenho medo que a velhice pense em mim” afirma Mia Couto. - Mia Couto

+ A miçanga, todos as vêem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as miçangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo. - Mia Couto

+ Quero morar numa cidade onde se sonha com chuva. Num mundo onde chover é a maior felicidade. E onde todos chovemos. - Mia Couto

+ Cada homem é uma raça. - Mia Couto

+ Todos elogiam o sonho, que é o descansar da vida. Mas é o contrário, Doutor. A gente precisa do viver para descansar dos sonhos. - Mia Couto

+ Só me pertence o que não abraço. Eis como eterno me condeno: Amo o que não tem despedida. - Mia Couto

+ SAUDADE Magoa-me a saudade do sobressalto dos corpos ferindo-se de ternura sói-me a distante lembrança do teu vestido caindo aos nossos pés Magoa-me a saudade do tempo em que te habitava como o sal ocupa o mar como a luz recolhendo-se nas pupilas desatentas Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo, tua noite sem remédio tua virtude, tua carência eu que longe de ti sou fraco eu que já fui água, seiva vegetal sou agora gota trémula, raiz exposta Traz de novo, meu amor, a transparência da água dá ocupação à minha ternura vadia mergulha os teus dedos no feitiço do meu peito e espanta na gruta funda de mim os animais que atormentam o meu sono - Mia Couto

+ O destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego? - Mia Couto

+ "O bom do caminho é haver volta. Para a ida sem vinda basta o tempo”. ( Corozero Muando, em "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra") - Mia Couto

+ "Confidência" Diz o meu nome pronuncia-o como se as sílabas te queimassem os lábios sopra-o com a suavidade de uma confidência para que o escuro apeteça para que se desatem os teus cabelos para que aconteça Porque eu cresço para ti sou eu dentro de ti que bebe a última gota e te conduzo a um lugar sem tempo nem contorno Porque apenas para os teus olhos sou gesto e cor e dentro de ti me recolho ferido exausto dos combates em que a mim próprio me venci Porque a minha mão infatigável procura o interior e o avesso da aparência porque o tempo em que vivo morre de ser ontem e é urgente inventar outra maneira de navegar outro rumo outro pulsar para dar esperança aos portos que aguardam pensativos No húmido centro da noite diz o meu nome como se eu te fosse estranho como se fosse intruso para que eu mesmo me desconheça e me sobressalte quando suavemente pronunciares o meu nome - Mia Couto

+ ⁠A saudade é uma tatuagem na alma: só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós. - Mia Couto

+ A nossa língua comum foi construída por laços antigos, tão antigos que por vezes lhes perdemos o rasto. - Mia Couto

+ Só se escreve com intensidade se vivermos intensamente. Não se trata apenas de viver sentimentos mas de ser vivido por sentimentos. - Mia Couto

+ Nocturnamente Nocturnamente te construo para que sejas palavra do meu corpo Peito que em mim respira olhar em que me despojo na rouquidão da tua carne me inicio me anuncio e me denuncio Sabes agora para o que venho e por isso me desconheces - Mia Couto

+ Destino à ternura pouca me vou acostumando enquanto me adio servente de danos e enganos vou perdendo morada na súbita lentidão de um destino que me vai sendo escasso conheço a minha morte seu lugar esquivo seu acontecer disperso agora que mais me poderei vencer? - Mia Couto

+ "A minha pátria é outra e ela está ainda por nascer." (in " Mulheres de Cinza " pág .36) - Mia Couto

+ Solidão Aproximo-me da noite o silêncio abre os seus panos escuros e as coisas escorrem por óleo frio e espesso Esta deveria ser a hora em que me recolheria como um poente no bater do teu peito mas a solidão entra pelos meus vidros e nas suas enlutadas mãos solto o meu delírio É então que surges com teus passos de menina os teus sonhos arrumados como duas tranças nas tuas costas guiando-me por corredores infinitos e regressando aos espelhos onde a vida te encarou Mas os ruídos da noite trazem a sua esponja silenciosa e sem luz e sem tinta o meu sonho resigna Longe os homens afundam-se com o caju que fermenta e a onda da madrugada demora-se de encontro às rochas do tempo - Mia Couto

+ SER,PARECER Entre o desejo de ser e o receio de parecer o tormento da hora cindida Na desordem do sangue a aventura de sermos nós restitui-nos ao ser que fazemos de conta que somos. - Mia Couto

+ Tenho duas pernas: uma de santo, outra de diabo. Como posso seguir um só caminho? - Mia Couto

+ O POETA O poeta não gosta de palavras: escreve para se ver livre delas. A palavra torna o poeta pequeno e sem invenção. Quando, sobre o abismo da morte, o poeta escreve terra, na palavra ele se apaga e suja a página de areia. Quando escreve sangue o poeta sangra e a única veia que lhe dói é aquela que ele não sente. Com raiva, o poeta inicia a escrita como um rio desflorando o chão. Cada palavra é um vidro em que se corta. O poeta não quer escrever. Apenas ser escrito. Escrever, talvez, apenas enquanto dorme. - Mia Couto

+ Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. - Mia Couto

+ O voar não vem da asa. O beija-flor tão abreviadinho de asa, não é o que voa mais perfeito? - Mia Couto

+ O sonho é o olho da vida. - Mia Couto