A Canção das Lágrimas de Pierrot
I
A sala em espelhos brilha Com lustres de dez mil velas. Miríades de rodelas Multicores - maravilha! -
Torvelhinham no ar que alaga O cloretilo e se toma Daquele mesclado aroma De carnes e de bisnaga.
E rodam mais que confete, Em farândolas quebradas, cabeças desassisadas Por Colombina ou Pierrete
II
Pierrot entra em salto súbito. Upa! Que força o levanta? E enquanto a turba se espanta, Ei-lo se roja em decúbito.
A tez, antes melancólica, Brilha. A cara careteia. Canta. Toca. E com tal veia, com tanta paixão diabólica,
Tanta, que se lhe ensanguentam Os dedos. Fibra por fibra, Toda a sua essência vibra Nas cordas que se arrebentam.
III
Seu alaúde de plátano Milagre é que não se quebre. E a sua fronte arde em febre, Ai dele! e os cuidados matam-no.
Ai dele! e essa alegria, Aquelas canções, aquele Surto não é mais, ai dele! Do que uma imensa ironia.
Fazendo à cantiga louca Dolorido contracanto, Por dentro borbulha o pranto Como outra voz de outra boca:
IV
- “Negaste a pele macia À minha linda paixão E irás entregá-la um dia Aos feios vermes do chão…
“Fiz por ver se te podia Amolecer - e não pude! Em vão pela noite fria Devasto o meu alaúde…
“Minha paz, minha alegria, Minha coragem, roubaste-mas… E hoje a minh’alma sombria É como um poço de lástimas…”
V
Corre após a amada esquiva. Procura o precário ensejo De matar o seu desejo Numa carícia furtiva.
E encontrando-o Colombina, Se lhe dá, lesta, socapa, Em vez de beijo um tapa, O pobre rosto ilumina-se-lhe!
Ele que estava de rastros, Pula, e tão alto se eleva, Como se fosse na treva Romper a esfera dos astros!…
Manuel Bandeira
Outras frases de Manuel Bandeira
+ Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. - Manuel Bandeira
+ O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. - Manuel Bandeira
+ Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até no que não é dito com palavras, mas fica no ar... - Manuel Bandeira
+ Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples. - Manuel Bandeira
+ Vivo nas estrelas porque é lá que brilha a minha alma. - Manuel Bandeira