Cantiga de Amor
Mulheres neste mundo de meu Deus Tenho visto muitas — grandes, pequenas, Ruivas, castanhas, brancas e morenas. E amei-as, por mal dos pecados meus! Mas em parte alguma vi, ai de mim, Nenhuma que fosse bonita assim!
Andei por São Paulo e pelo Ceará (Não falo em Pernambuco, onde nasci) Bahia, Minas, Belém do Pará… De muito olhar de mulher já sofri! Mas em parte alguma vi, ai de mim, Nenhuma que fosse bonita assim!
Atravessei o mar e, no estrangeiro, Em Paris, Basiléia e nos Grisões, Lugano, Gênova por derradeiro, Vi mulheres de todas as nações. Mas em parte alguma vi, ai de mim, Nenhuma que fosse bonita assim!
Mulher bonita não falta, ai de mim! Nenhuma porém, tão bonita assim!
Manuel Bandeira
Outras frases de Manuel Bandeira
+ O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. - Manuel Bandeira
+ O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. - Manuel Bandeira
+ Madrigal Melancólico O que eu adoro em ti Não é a tua beleza A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito E a beleza é triste Não é triste em si Mas pelo que há nela De fragilidade e incerteza O que eu adoro em ti Não é a tua inteligência Não é o teu espírito sutil Tão ágil e tão luminoso Ave solta no céu matinal da montanha Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti Não é a tua graça musical Sucessiva e renovada a cada momento Graça aérea como teu próprio momento Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti Não é a mãe que já perdi E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que adoro em ti lastima-me e consola-me: O que eu adoro em ti é a vida! - Manuel Bandeira
+ Neologismo Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo: Teadoro, Teodora. - Manuel Bandeira
+ Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. - Manuel Bandeira