Diz o meu nome pronuncia-o como se as sílabas te queimassem os lábios sopra-o com a suavidade de uma confidência para que o escuro apeteça para que se desatem os teus cabelos para que aconteça

Porque eu cresço para ti sou eu dentro de ti que bebe a última gota e te conduzo a um lugar sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos sou gesto e cor e dentro de ti me recolho ferido exausto dos combates em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável procura o interior e o avesso da aparência porque o tempo em que vivo morre de ser ontem e é urgente inventar outra maneira de navegar outro rumo outro pulsar para dar esperança aos portos que aguardam pensativos

No húmido centro da noite diz o meu nome como se eu te fosse estranho como se fosse intruso para que eu mesmo me desconheça e me sobressalte quando suavemente pronunciares o meu nome

Mia Couto, in ‘Raiz de Orvalho’


Mia Couto

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+ "[...]Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.[...]" - Mia Couto

+ Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso. - Mia Couto

+ Esperto é o mar que, em vez da briga, prefere abraçar o rochedo. - Mia Couto

+ Para que as luzes do outro sejam percebidas por mim devo por bem apagar as minhas, no sentido de me tornar disponível para o outro. - Mia Couto

+ Quando já não havia outra tinta no mundo o poeta usou do seu próprio sangue. Não dispondo de papel, ele escreveu no próprio corpo. Assim, nasceu a voz, o rio em si mesmo ancorado. Como o sangue: sem voz nem nascente. - Mia Couto

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