Especulações em torno da palavra homem

Mas que coisa é homem, que há sob o nome: uma geografia?

um ser metafísico? uma fábula sem signo que a desmonte?

Como pode o homem sentir-se a si mesmo, quando o mundo some?

Como vai o homem junto de outro homem, sem perder o nome?

E não perde o nome e o sal que ele come nada lhe acrescenta

nem lhe subtrai da doação do pai? Como se faz um homem?

Apenas deitar, copular, à espera de que do abdômen

brote a flor do homem? Como se fazer a si mesmo, antes

de fazer o homem? Fabricar o pai e o pai e outro pai

e um pai mais remoto que o primeiro homem? Quanto vale o homem?

Menos, mais que o peso? Hoje mais que ontem? Vale menos, velho?

Vale menos, morto? Menos um que outro, se o valor do homem

é medida de homem? Como morre o homem, como começa a?

Sua morte é fome que a si mesma come? Morre a cada passo?

Quando dorme, morre? Quando morre, morre? A morte do homem

consemelha a goma que ele masca, ponche que ele sorve, sono

que ele brinca, incerto de estar perto, longe? Morre, sonha o homem?

Por que morre o homem? Campeia outra forma de existir sem vida?

Fareja outra vida não já repetida, em doido horizonte?

Indaga outro homem? Por que morte e homem andam de mãos dadas

e são tão engraçadas as horas do homem? Mas que coisa é homem?

Tem medo de morte, mata-se, sem medo? Ou medo é que o mata

com punhal de prata, laço de gravata, pulo sobre a ponte?

Por que vive o homem? Quem o força a isso, prisioneiro insonte?

Como vive o homem, se é certo que vive? Que oculta na fronte?

E por que não conta seu todo segredo mesmo em tom esconso?

Por que mente o homem? mente mente mente desesperadamente?

Por que não se cala, se a mentira fala, em tudo que sente?

Por que chora o homem? Que choro compensa o mal de ser homem?

Mas que dor é homem? Homem como pode descobrir que dói?

Há alma no homem? E quem pôs na alma algo que a destrói?

Como sabe o homem o que é sua alma e o que é alma anônima?

Para que serve o homem? para estrumar flores, para tecer contos?

Para servir o homem? Para criar Deus? Sabe Deus do homem?

E sabe o demônio? Como quer o homem ser destino, fonte?

Que milagre é o homem? Que sonho, que sombra? Mas existe o homem?


Carlos Drummond De Andrade

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+ O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar. - Carlos Drummond De Andrade

+ Para Sempre Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho. - Carlos Drummond De Andrade

+ QUADRILHA João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. - Carlos Drummond De Andrade

+ Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão. - Carlos Drummond De Andrade

+ Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar. - Carlos Drummond De Andrade

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