Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.

Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser - se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele. Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.


Clarice Lispector

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+ Vou tomar um banho antes de sair e perfumar-me com um perfume que é segredo meu. Só digo uma coisa dele: é agreste e um pouco áspero, com doçura escondida. - Clarice Lispector

+ Vou me acrescentando em folhas. (Água Viva) - Clarice Lispector

+ Vou te dizer o que eu nunca te disse antes, talvez seja isso o que está faltando: ter dito. Se eu não disse, não foi por avareza de dizer, nem por minha mudez de barata que tem mais olhos que boca. Se eu não disse é porque não sabia que sabia — mas agora sei. Vou-te dizer que eu te amo. Sei que te disse isso antes, e que também era verdade quando te disse, mas é que só agora estou realmente dizendo. - Clarice Lispector

+ Vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria." ... - Clarice Lispector

+ Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. - Clarice Lispector

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