Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi. São felizes, porque não são eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas, Vivem entre vasos de flores, Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico, Cantam sempre, sem dúvida. Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro. Assim tem que ser onde tudo se ajusta — O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também? Quais outros? Não há outros. O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada, Ou, quando se abre, É para as crianças brincarem na varanda de grades, Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.

Os outros nunca sentem. Quem sente somos nós, Sim, todos nós, Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada? Não sei… Um nada que dói…


Fernando Pessoa

Outras frases de Fernando Pessoa

+ Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção — isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. - Fernando Pessoa

+ Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. - Fernando Pessoa

+ XXXIX - O MISTÉRIO DAS COUSAS O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender. Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: — As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas. - Fernando Pessoa

+ ⁠Vivem em nós inúmeros - Fernando Pessoa

+ Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. - Fernando Pessoa

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