NÃO: JÁ NÃO FALO DE TI

Não: já não falo de ti, já não sei de saudades. Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens, de palavras adormecidas, em altas prateleiras, até que o pó desfaça o pobre desespero sem força, que um dia, pode ser, parece tão terrível.

A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro. Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver. O resto é imaginado, e não coincide, e é temerário cismar. Talvez se as pálpebras pudessem inventar outros sonhos, não de vida…

Ah! rompem-se na noite ardentes violas, pelo ar e pelo frio subitamente roçadas. Por onde pascerão, nestes céus invioláveis, nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se… Não só de amor a noite transborda mas de terríveis crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros.

Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando, e os homens da lei sonolentos movem letras sobre imensos papéis que eles mesmos não entendem… Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda? Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratos da álgebra e da geometria.


Cecília Meireles

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