No começo, acreditamos avançar para a luz; depois, fatigados por uma marcha sem fim, deixamo-nos afundar: a terra, cada vez menos firme, não nos suporta mais: abre-se. Em vão perseguiríamos um fim ensolarado, as trevas se dilatam ao redor e dentro de nós. Nenhuma luz para iluminar-nos em nossa submersão: o abismo nos chama e nós o escutamos. Acima ainda permanece tudo o que queríamos ser, tudo o que não teve o poder de elevar-nos mais alto. E, outrora apaixonados pelos cumes, depois decepcionados por eles, acabamos por venerar nossa queda, apressamo-nos a cumpri-la, instrumentos de uma execução estranha, fascinados pela ilusão de tocar os confins das trevas, as fronteiras de nosso destino. Uma vez o medo do vazio transformado em volúpia, que sorte evoluir no lado oposto do sol! Infinito às avessas, êxtase ante as rachaduras do ser e aspiração de uma auréola negra, o Vazio é um sonho invertido no qual nos dissipamos.


Emil Cioran

Outras frases de Emil Cioran

+ Somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso - Emil Cioran

+ Todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem? - Emil Cioran

+ A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade. - Emil Cioran

+ Só tem convicções aquele que não aprofundou nada. - Emil Cioran

+ Enquanto preparavam a cicuta, aprendia Sócrates uma canção na flauta. “Para que te servirás? lhe perguntaram.” “Para sabê-la antes de morrer.” Ouso recordar esta resposta que os manuais banalizaram, pois que ela me parece a única justificação séria da vontade de conhecer, que se dá até mesmo às portas da morte ou em outro momento qualquer. - Emil Cioran

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