Nossa Senhora Das coisas impossíveis que procuramos em vão,

Vem soleníssima, Soleníssima e cheia De uma oculta vontade de soluçar, Talvez porque a alma é grande e a vida pequena, E todos os gestos não saem do nosso corpo, E só alcançamos onde o nosso braço chega, E só vemos até onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa, Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos, Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados. Mão fresca sobre a testa em febre dos Humildes. Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.

Vem, lá do fundo Do horizonte lívido, Vem e arranca-me Do solo de angústia e de inutilidade Onde vicejo. Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido, Folha a folha lê em mim não sei que sina E desfolha-me para teu agrado, Para teu agrado silencioso e fresco.

Vem sobre os mares, Sobre os mares maiores, Sobre os mares sem horizontes precisos, Vem e passa a mão pelo dorso da fera, E acalma-o misteriosamente, Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!

Vem, cuidadosa, Vem, maternal, Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste À cabeceira dos deuses das fés já perdidas, E que viste nascer Jeová e Júpiter, E sorriste porque tudo te é falso e inútil.

Vem, Noite silenciosa e extática, Vem envolver na noite manto branco O meu coração… Serenamente como uma brisa na tarde leve, Tranquilamente com um gesto materno afagando. Com as estrelas luzindo nas tuas mãos E a lua máscara misteriosa sobre a tua face. Todos os sons soam de outra maneira Quando tu vens. Quando tu entras baixam todas as vozes, Ninguém te vê entrar. Ninguém sabe quando entraste, Senão de repente, vendo que tudo se recolhe, Que tudo perde as arestas e as cores, E que no alto céu ainda claramente azul Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem,

A lua começa a ser real.


Fernando Pessoa

Outras frases de Fernando Pessoa

+ Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção — isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. - Fernando Pessoa

+ vivo por que vivo, mas com a certeza que amanha sera um dia melhor - Fernando Pessoa

+ Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. - Fernando Pessoa

+ Viver não é necessário. Necessário é criar. - Fernando Pessoa

+ Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. - Fernando Pessoa

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