O BEIJO E A LÁGRIMA

Quero um beijo, pediu ela.

Um sismo abalou o peito dele. E devotou o calor de lava dos seus lábios, entontecida água na cascata.

Entusiamado, ele se preparou para, de novo, duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.

Mas ela o fez parar.

Só queria um beijo. Um único beijo para chorar.

Há anos que não pranteava. E a sua alma se convertia em areia do deserto.

Encantada, ela no dedo recolheu a lágrima. E se repetiu o gesto com que Deus criou o Oceano.


Mia Couto

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+ Quando já não havia outra tinta no mundo o poeta usou do seu próprio sangue. Não dispondo de papel, ele escreveu no próprio corpo. Assim, nasceu a voz, o rio em si mesmo ancorado. Como o sangue: sem voz nem nascente. - Mia Couto

+ Para que as luzes do outro sejam percebidas por mim devo por bem apagar as minhas, no sentido de me tornar disponível para o outro. - Mia Couto

+ “Os mais perigosos inimigos não são aqueles que te odiaram desde sempre. Quem mais deves temer são os que, durante um tempo, estiveram próximos e por ti se sentiram fascinados” - Mia Couto

+ Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso. - Mia Couto

+ A ADIADA ENCHENTE Velho, não. Entardecido, talvez. Antigo, sim. Me tornei antigo porque a vida, tantas vezes, se demorou. E eu a esperei como um rio aguarda a cheia. - Mia Couto

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