ESPIRITUALIDADE Leonardo Boff

“Leonardo Boff situa o tema da espiritualidade no contexto dramático e perigoso em que se encontra atualmente a humanidade. Sua reflexão quer captar a urgência da espiritualidade e enfatizar sua premente atualidade em face dos mitos que circulam pela cultura – mitos da exterminação da espécie, da liquidação da biosfera, da ameaça do futuro comum, da terra e da humanidade. Em momentos assim dramáticos, o ser humano mergulha da profundidade do Ser e se coloca questões básicas: O que estamos fazendo neste mundo? Qual é nosso lugar no conjunto dos seres? Como agir para garantirmos um futuro que traga esperança para todos os seres humanos e para o planeta? O que podemos esperar além desta vida? É neste contexto que o autor coloca a questão da espiritualidade. Ao citar o Dalai-Lama, considerado por ele como uma das pessoas mais messiânicas do nosso tempo, Leonardo Boff evidencia a distinção essencial entre a religião e a espiritualidade: a primeira associada a crenças, dogmas,rituais; a segunda relacionada às qualidades do espírito humano – compaixão, amor, tolerância, capacidade de perdoar, solidariedade -, que trazem felicidade para a própria pessoas e para os outros. E denuncia momentos e formas em que religião se torna a negação da espiritualidade.”

“A espiritualidade não é monopólio das religiões, nem dos caminhos espirituais codificados. A espiritualidade é uma dimensão de cada ser humano. Essa dimensão espiritual que cada um de nós tem se revela pela capacidade de diálogo consigo mesmo e com e com o próprio coração, se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta do outro, pela responsabilidade e pelo cuidado como atitude fundamental.”

“A espiritualidade vive da gratuidade e da disponibilidade, vive da capacidade de enternecimento e de compaixão, vive da honradez em face da realidade e da escuta da mensagem que vem permanentemente desta realidade. Quebra a relação de posse das coisas para estabelecer uma relação de comunhão com as coisas. Mais do que usar, contempla. Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca de bens materiais, de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E não irradiaremos. Seremos como o sol.”

“Leonardo Boff descreve poeticamente as dimensões mística e política da espiritualidade de Jesus Cristo, fazenmdo também a distinção entre o Reino de Deus anunciado por Cristo e a igreja como construção humana posterior, sujeita a distorções capazes de comprometer fundamentalmente a mensagem original. Ilumina a nossa compreensão mostrando a diferença entre os caminhos espirituais percorridos pela humanidade do Ocidente e no Oriente para concluir, à luz de uma afirmação do Dalai-Lama, que a melhor religião é a que nos faz compassivos, sensíveis, amorosos, humanitários, responsáveis. E que nenhuma religião pode invocar o monopólio dos meios para chegar a Deus. Termina seu texto com um comovente diálogo com sua mãe, analfabeta, mas possuidora de uma sabedoria que lhe permitia ver Deus na transparência da realidade e de cada experiência concreta. Diz Leonardo Boff “Em nossos escritórios e nos nossos gabinetes de trabalho podemos ser cínicos, podemos acreditar ou desacreditar de qualquer coisa. Mas não podemos desprezar a aurora que vem, não podemos desfazer olhar inocente de uma criança, não podemos contemplar com indiferença a profundidade do céu estralado sem cair no silêncio e na profunda reverência, nos perguntando o que se esconde atrás das estrelas, qual é o caminho da minha vida, o que posso esperar depois dela.” São perguntas que o ser humano sempre se coloca e, ao coloca-las, revela-se como ser espiritual. Quando nos abrimos para acolher essas mensagens, para orientar nossa vida num sentido que produza leveza, irradiação, humanidade, aí deixamos aflorar a nossa dimensão espiritual.”

Leonardo Boff em uma das menções que faz sobre Dalai-Lama, comenta sua resposta sobre o que é Espiritualidade: Dalai-Lama dá uma resposta extremamente simples: “Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior.” Não entendo direito alguém perguntou novamente: - Mas se eu praticar a religião e observar as tradições, isso não é espiritualidade? O Dalai-Lama respondeu:

  • Pode ser espiritualidade, mas, se não produzir em você uma transformação, não é espiritualidade.
  • Acrescentou: Um cobertor que não aquece deixa de ser cobertor. Como diziam os antigos, os tempos mudam e as pessoas mudam com eles. O que ontem foi espiritualidade hoje não precisa mais ser. O que em geral se chama de espiritualidade é apenas a lembrança de antigos caminhos e métodos religiosos. Arrematando, diz: O manto deve ser cortado para se ajustar aos homens. Não são os homens que devem ser cortados para se ajustar ao manto.

Extraído do livro Espiritualidade, de Leonardo Boff, Editora Sextante. 20-02-2003


Leonardo Boff

Outras frases de Leonardo Boff

+ Todo ponto de vista é a vista de um ponto. - Leonardo Boff

+ Deus habita, sim, numa luz inacessível. É um mistério insondável com o qual não podemos brincar. Mas face ao padecimento humano, deixa sua transcendência, toma partido pelos oprimidos contra seus opressores e decide intervir, animar profetas como Oséias e suscitar líderes como Moisés, para libertar seus filhos e filhas humilhados e ofendidos. - Leonardo Boff

+ Uma frente avançada das ciências, hoje, é constituída pelo estudo do cérebro e de suas múltiplas inteligências. Alcançaram-se resultados relevantes, também para a religião e a espiritualidade. Enfatizam-se três tipos de inteligência. A primeira é a inteligência intelectual, o famoso QI (Quociente de Inteligência), ao qual se deu tanta importância em todo o século XX. É a inteligência analítica pela qual elaboramos conceitos e fazemos ciência. Com ela organizamos o mundo e solucionamos problemas objetivos. A segunda é a inteligência emocional, popularizada especialmente pelo psicólogo e neurocientista de Harvard David Goleman, com seu conhecido livro A Inteligência emocional (QE = Quociente Emocional). Empiricamente mostrou o que era convicção de toda uma tradição de pensadores, desde Platão, passando por Santo Agostinho e culminando em Freud: a estrutura de base do ser humano não é razão (logos) mas é emoção (pathos). Somos, primariamente, seres de paixão, empatia e compaixão, e só em seguida, de razão. Quando combinamos QI com QE conseguimos nos mobilizar a nós e a outros. A terceira é a inteligência espiritual. A prova empírica de sua existência deriva de pesquisas muito recentes, dos últimos 10 anos, feitas por neurólogos, neuropsicólogos, neurolingüistas e técnicos em magnetoencefalografia (que estudam os campos magnéticos e elétricos do cérebro). Segundo esses cientistas, existe em nós, cientificamente verificável, um outro tipo de inteligência, pela qual não só captamos fatos, idéias e emoções, mas percebemos os contextos maiores de nossa vida, totalidades significativas, e nos faz sentir inseridos no Todo. Ela nos torna sensíveis a valores, a questões ligadas a Deus e à transcendência. É chamada de inteligência espiritual (QEs = Quociente espiritual), porque é próprio da espiritualidade captar totalidades e se orientar por visões transcendentais. Sua base empírica reside na biologia dos neurônios. Verificou-se cientificamente que a experiência unificadora se origina de oscilações neurais a 40 herz, especialmente localizada nos lobos temporais. Desencadeia-se, então, uma experiência de exaltação e de intensa alegria como se estivéssemos diante de uma Presença viva. Ou inversamente, sempre que se abordam temas religiosos, Deus ou valores que concernem o sentido profundo das coisas, não superficialmente mas num envolvimento sincero, produz-se igual excitação de 40 herz. Por essa razão, neurobiólogos como Persinger, Ramachandran e a física quântica Danah Zohar batizaram essa região dos lobos temporais de ''o ponto Deus''. Se assim é, podemos dizer em termos do processo evolucionário: o universo evoluiu, em bilhões de anos, até produzir no cérebro o instrumento que capacita o ser humano perceber a Presença de Deus, que sempre esteve lá embora não perceptível conscientemente. A existência desse ''ponto Deus'' representa uma vantagem evolutiva de nossa espécie humana. Ela constitui uma referência de sentido para a nossa vida. A espiritualidade pertence ao humano e não é monopólio das religiões. Antes, as religiões são uma das expressões desse ''ponto Deus''. - Leonardo Boff

+ As tarefas que nos propomos, devem conter exigências que pareçam ir além de nossas forças . Caso contrário , não descobrimos nosso poder ,nem conhecemos nossas energias escondidas e assim deixamos de crescer. - Leonardo Boff

+ Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca de bens materiais, de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E então irradiaremos. Seremos como um sol. - Leonardo Boff

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