Frases de Carlos Drummond De Andrade

+ Te amo, porque te amo. - Carlos Drummond De Andrade

+ Resíduo (...) Pois de tudo fica um pouco. Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha. De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem. Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana, dragão partido, flor branca, ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato. (...) E de tudo fica um pouco. Oh abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória. - Carlos Drummond De Andrade

+ PARTIDO Agrupamento para defesa abstrata de princípios e elevação positiva de alguns cidadãos. - Carlos Drummond De Andrade

+ Adão, o primeiro espoliado - e no próprio corpo. - Carlos Drummond De Andrade

+ Organiza o Natal Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom. Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo. Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento. A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro. A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém. Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz. O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor. Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível. A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã. O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive. E será Natal para sempre. Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade. Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52. - Carlos Drummond De Andrade

+ Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza. - Carlos Drummond De Andrade

+ O amor é grande mas cabe no breve espaço de beijar. - Carlos Drummond De Andrade

+ Que nunca te arrependas pelo amor dado, faz parte da vida arriscar-se por um sonho... Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado. Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado, ele se chama TEMPO... seu melhor amigo. Só ele pode dar todas as certezas do amanhã. A certeza que... realmente você amou. A certeza que... realmente você foi amada. - Carlos Drummond De Andrade

+ A Hora do Cansaço As coisas que amamos, as pessoas que amamos são eternas até certo ponto. Duram o infinito variável no limite de nosso poder de respirar a eternidade. Pensá-las é pensar que não acabam nunca, dar-lhes moldura de granito. De outra matéria se tornam, absoluta, numa outra (maior) realidade. Começam a esmaecer quando nos cansamos, e todos nos cansamos, por um outro itinerário, de aspirar a resina do eterno. Já não pretendemos que sejam imperecíveis. Restituímos cada ser e coisa à condição precária, rebaixamos o amor ao estado de utilidade. Do sonho eterno fica esse gosto acre na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar. - Carlos Drummond De Andrade

+ BOCA Boca: nunca te beijarei. Boca de outro que ris de mim, no milímetro que nos separa, cabem todos os abismos. Boca: se meu desejo é impotente para fechar-te, bem sabes disto, zombas de minha raiva inútil. Boca amarga pois impossível, doce boca (não provarei), ris sem beijo para mim, beijas outro com seriedade. - Carlos Drummond De Andrade

+ Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. - Carlos Drummond De Andrade

+ A língua lambe A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos, entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos. - Carlos Drummond De Andrade

+ CONFRONTO Bateu, Amor à porte da Loucura. Deixe-me entrar, pediu, sou teu irmão. Só tu me limparás da lama escura a que me conduziu minha paixão A Loucura desdenha recebê-lo, sabendo quanto o Amor vive de engano, mas estarrece de surpresa ao vê-lo, de humano que era, assim tão inumano. E exclama: Entra correndo, o pouso é teu. Mais que ninguém mereces habitar minha casa infernal, feita de breu. Enquanto me retiro, sem destino, pois não sei de mais triste desatino que este mal sem perdão, o mal de amar. - Carlos Drummond De Andrade

+ A dança e a alma A dança? Não é movimento súbito gesto musical É concentração, num momento, da humana graça natural No solo não, no éter pairamos, nele amaríamos ficar. A dança-não vento nos ramos seiva, força, perene estar um estar entre céu e chão, novo domínio conquistado, onde busque nossa paixão libertar-se por todo lado... Onde a alma possa descrever suas mais divinas parábolas sem fugir a forma do ser por sobre o mistério das fábulas - Carlos Drummond De Andrade

+ Os médicos estão fazendo a autópsia Dos desiludidos que se mataram Que grande coração eles possuiam Viscéras imensas, tripas sentimentais E um estômago cheio de poesia. - Carlos Drummond De Andrade

+ CIDADEZINHA QUALQUER Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. - Carlos Drummond De Andrade

+ A flor e a náusea Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. - Carlos Drummond De Andrade

+ A LUÍS MAURÍCIO, INFANTE Acorda, Luís Mauricio. Vou te mostrar o mundo, se é que não preferes vê-lo de teu reino profundo. Despertando, Luís Mauricio, não chores mais que um tiquinho. Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho? Que seria de ti, Luís Mauricio, pranteando mais que o necessário? Os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário e pede ser visto e amado. É tão pouco, cinco sentidos. Pois que sejam lépidos, Luís Mauricio, que sejam novos e comovidos. E como há tempo para viver, Luís Mauricio, podes gastá-lo à janela que dá para a "Justicia del Trabajo", onde a imaginosa linha da hera tenazmente compõe seu desenho, recobrindo o que é feio, formal e triste. Sucede que chegou a primavera, menino, e o muro já não existe. Admito que amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Mauricio. Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício. E agora, começa a crescer. Em poucas semanas um homem Se manifesta na boca, nos rins, na medalhinha do nome. Já te vejo na proporção da cidade, dessa caminha em que dormes. Dir-se-ia que só o anão de Harrods, hoje velho, entre garotos enormes, conserva o disfarce da infância, como, na sua imobilidade, à esquina de Córdoba e Florida, só aquele velho pendido e sentado, de luvas e sobretudo, vê passar (é cego) o tempo que não enxergamos, o tempo irreversível, o tempo estático, espaço vazio entre ramos. O tempo "" que fazer dele? Como adivinhar, Luís Mauricio, o que cada hora traz em si de plenitude e sacrifício? Hás de aprender o tempo, Luís Mauricio. E há de ser tua ciência uma tão íntima conexão de ti mesmo e tua existência, que ninguém suspeitará nada. E teu primeiro segredo seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo. Aprenderás muitas leis, Luís Mauricio. Mas se as esqueceres depressa, Outras mais altas descobrirás, e é então que a vida começa, e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo, e anda o silêncio, e fala o nevoento horizonte; e sabe guiar-nos o mundo. Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas de folhas, de signos, de obscuros sentimentos, e avenidas desertas são apenas as que vemos sem ver, há pelo menos formigas atarefadas, e pedras felizes ao sol, e projetos e cantigas que alguém um dia cantará, Luís Mauricio. Procura deslindar o canto. Ou antes, não procures. Ele se oferecerá sob forma de pranto ou de riso. E te acompanhará, Luís Mauricio. E as palavras serão servas de estranha majestade. É tudo estranho. Medita por, exemplo, as ervas, enquanto és pequeno e teu instinto, solerte, festivamente se aventura até o âmago das coisas. A que veio, que pode, quanto dura essa discreta forma verde, entre formas? E imagina ser pensado, pela erva que pensas. Imagina um elo, uma afeição surda, um passado articulando os bichos e suas visões, o mundo e seus problemas; imagina o rei com suas angústias, o pobre com seus diademas, imagina uma ordem nova; ainda que uma nova desordem, não será bela? Imagina tudo: o povo,com sua música; o passarinho, com sua donzela; o namorado com seu espelho mágico; a namorada, com seu mistério; a casa, com seu calor próprio; a despedida, com seu rosto sério; o físico, o viajante, o afiador de facas, o italiano das sortes e seu realejo; o poeta sempre meio complicado; o perfume nativo das coisas e seu arpejo; o menino que é teu irmão, e sua estouvada ciência de olhos líquidos e azuis, feita de maliciosa inocência, que ora viaja enigmas extraordinários; por tua vez, a pesquisa há de solicitar-te um dia, mensagem perturbadora na brisa. É preciso criar de novo, Luís Mauricio. Reinventar nagôs e latinos, E as mais severas inscrições, e quantos ensinamentos e os modelos mais finos, de tal maneira a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos. Mas seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos. Inconformados e prisioneiros, em Palermo, eles procuram o outro lado, E na sua faminta inquietação, algo se liberta da jaula e seu quadrado. Detém-te. A grande flor do hipopótamo brota da água "" nenúfar! E dos dejetos do rinoceronte se alimentam os pássaros. E o açúcar que dás na palma da mão à língua terna do cão adoça todos os animais. Repara que autênticos, que fiéis a um estatuto sereno, e como são naturais. É meio-dia, Luís Maurício, hora belíssima entre todas, pois, unindo e separando os crepúsculos, à sua luz se consumam as bodas do vivo com o que já viveu ou vai viver, e a seu puríssimo raio entre repuxos, os "chicos" e as "palomas" confraternizam na "Plaza de Mayo". Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício, que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer, meu netinho Luís Mauricio. - Carlos Drummond De Andrade

+ DEZEMBRO Quem me acode à cabeça e ao coração neste fim de ano, entre alegria e dor? Que sonho, que mistério, que oração? Amor. - Carlos Drummond De Andrade

+ Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira. - Carlos Drummond De Andrade

+ AMOR 1985 - AMAR SE APRENDE AMANDO O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo acha a razão de ser, já dividido. São dois em um: amor, sublime selo que à vida imprime cor, graça e sentido. "Amor" - eu disse - e floriu uma rosa embalsamando a tarde melodiosa no canto mais oculto do jardim, mas seu perfume não chegou a mim. - Carlos Drummond De Andrade

+ A Procura da Poesia Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes. Nem me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem. O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. O canto não é a natureza nem os homens em sociedade. Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto. Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir. Não te aborreças. Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável. Não recomponhas tua sepultada e merencória infância. Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação. Que se dissipou, não era poesia. Que se partiu, cristal não era. Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras. Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. - Carlos Drummond De Andrade

+ Porque calando nem sempre quer dizer que concordamos com o que ouvimos ou lemos, mas estamos dando a outrem a chance de pensar, refletir, saber o que falou ou escreveu. - Carlos Drummond De Andrade

+ Nossa capacidade de amar é limitada, e o amor infinito; este é o drama. - Carlos Drummond De Andrade

+ Vacina de ano novo Muitos me desejaram paz e amor em 75. Mas havendo amor, haverá paz? Amor é o contrario radioso dela. É inquietação, agitação, vontade de absorver o objeto amado, temor de perdê-lo, sentimento de não merecê-lo, ânsia de dominá-lo, masoquismo de ser dominado por ele, dor de não o haver conhecido antes, dor de não ocupar seu pensamento 24 horas por dia, e mais dias a pedir ao dia para ocupá-lo, brasa de imaginá-lo menos preso a mim do que eu a ele, desespero de o não guardar no bolso, junto ao coração, ou fisicamente dentro deste, como sangue a circular eternamente e eternamente o mesmo. Amor é isso e mais alguma triste coisa. E a tristeza incurável do tempo não passa fora de nós, passa é dentro e na pele marcada da gente, lembrando que eternidade é ilusão de minutos e o ato de amor deste momento já ficou mergulhado em ter sido. Amor é paz? - Carlos Drummond De Andrade