Frases de Luis Fernando Verissimo

+ Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data. - Luis Fernando Verissimo

+ A diferença entre o Brasil e a República Checa é que a República Checa tem o governo em Praga e o Brasil tem essa praga no governo. - Luis Fernando Verissimo

+ Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas. - Luis Fernando Verissimo

+ Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo. - Luis Fernando Verissimo

+ Era uma vez... numa terra muito distante... uma princesa linda, independente e cheia de autoestima. Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico... Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo. A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre... Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma: - Eu, hein? Nem morta! - Luis Fernando Verissimo

+ Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar: Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas. Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP. Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta. Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, "em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então, sugeri a cozinha. Nós sempre andamos de mãos dadas... Se eu soltar, ela vai às compras! Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: "nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar". Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica. Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100% dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a "senhora certa". Só não sabia que o primeiro nome dela era "sempre". Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: "O que tem na TV?" E eu disse: "Poeira". - Luis Fernando Verissimo

+ A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final. - Luis Fernando Verissimo

+ É "de esquerda" ser a favor do aborto e contra a pena de morte, enquanto direitistas defendem o direito do feto à vida, porque é sagrada, e o direito do Estado de matá-lo se ele der errado. - Luis Fernando Verissimo

+ Os tristes acham que o vento geme; Os alegres acham que ele canta. - Luis Fernando Verissimo

+ COMO AS MULHERES DOMINARAM O MUNDO. Conversa entre pai e filho, por volta do ano de 2031 sobre como as mulheres dominaram o mundo. - Foi assim que tudo aconteceu, meu filho... Elas planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião. Parecia brincadeira. Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos: Diretoras de Orçamento, Empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo. - E aí, papai? - Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone durante horas a fio, eles pensavam que o assunto fosse telenovela. Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. "Oi querida!", por exemplo, era a senha que identificava as líderes. "Celulite", eram as células que formavam a organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam "O regime". - E vocês? Não perceberam nada? - Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados. E o que é pior: Continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, consertar torneiras, abrir potes de azeitona, ceder a vez nos naufrágios. Essas coisas de homem. - Aí, veio o golpe mundial?!? - Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa. Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivais eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica. Pobre Presidente... - Como era mesmo o nome dele? - William, acho. Tinha um apelido, mas esqueci... Desculpe, filho, já faz tanto tempo... - Tudo bem, papai. Não tem importância. Continue... - Naquela manhã a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa! Então elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora... Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado. Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora. Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona... - Pai, conta mais... - Bem filho... O resto você já sabe. Instituíram o Robô "Troca-Pneu" como equipamento obrigatório de todos os carros... A Lei do Já-Prá-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho... E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês... - TPM??? - Sim, TPM... A Temporada Provável de Mísseis... E quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear... - Sinto um frio na barriga só de pensar, pai... - Sssshhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas... - Luis Fernando Verissimo

+ Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito. - Luis Fernando Verissimo

+ A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? - Luis Fernando Verissimo

+ No Brasil o fundo do poço é apenas uma etapa. - Luis Fernando Verissimo

+ Cinema é melhor pra saúde do que pipoca! Conversa é melhor do que piada. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida. Sonhar é melhor do que NADA! - Luis Fernando Verissimo

+ O homem trocado O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem. - Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo. - Eu estava com medo desta operação... - Por quê? Não havia risco nenhum. - Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos... E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês. - E o meu nome? Outro engano. - Seu nome não é Lírio? - Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e... Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista. - Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil. - O senhor não faz chamadas interurbanas? - Eu não tenho telefone! Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes. - Por quê? - Ela me enganava. Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer: - O senhor está desenganado. Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite. - Se você diz que a operação foi bem... A enfermeira parou de sorrir. - Apendicite? - perguntou, hesitante. - É. A operação era para tirar o apêndice. - Não era para trocar de sexo? - Luis Fernando Verissimo

+ Quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca-vergonha. - Luis Fernando Verissimo

+ Tu e Eu Somos diferentes, tu e eu. Tens forma e graça e a sabedoria de só saber crescer até dar pé. En não sei onde quero chegar e só sirvo para uma coisa - que não sei qual é! És de outra pipa e eu de um cripto. Tu, lipa Eu, calipto. Gostas de um som tempestade roque lenha muito heavy Prefiro o barroco italiano e dos alemães o mais leve. És vidrada no Lobão eu sou mais albônico. Tu,fão. Eu,fônico. És suculenta e selvagem como uma fruta do trópico Eu já sequei e me resignei como um socialista utópico. Tu não tens nada de mim eu não tenho nada teu. Tu,piniquim. Eu,ropeu. Gostas daquelas festas que começam mal e terminam pior. Gosto de graves rituais em que sou pertinente e, ao mesmo tempo, o prior. Tu és um corpo e eu um vulto, és uma miss, eu um místico. Tu,multo. Eu,carístico. És colorida, um pouco aérea, e só pensas em ti. Sou meio cinzento, algo rasteiro, e só penso em Pi. Somos cada um de um pano uma sã e o outro insano. Tu,cano. Eu,clidiano. Dizes na cara o que te vem a cabeça com coragem e ânimo. Hesito entre duas palavras, escolho uma terceira e no fim digo o sinônimo. Tu não temes o engano enquanto eu cismo. Tu,tano. Eu,femismo. - Luis Fernando Verissimo

+ Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet. - Luis Fernando Verissimo

+ Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores. - Luis Fernando Verissimo

+ Muitas mulheres consideram os homens perfeitamente dispensáveis no mundo, a não ser naquelas profissões reconhecidamente masculinas, como as de costureiro, cozinheiro, cabeleireiro, decorador de interiores e estivador. - Luis Fernando Verissimo

+ Falo a língua dos loucos, porque não conheço a mórbida coerência dos lúcidos. - Luis Fernando Verissimo

+ Tecnologia Para começar, ele nos olha nos olha na cara. Não é como a máquina de escrever, que a gente olha de cima, com superioridade. Com ele é olho no olho ou tela no olho. Ele nos desafia. Parece estar dizendo: vamos lá, seu desprezível pré-eletrônico, mostre o que você sabe fazer. A máquina de escrever faz tudo que você manda, mesmo que seja a tapa. Com o computador é diferente. Você faz tudo que ele manda. Ou precisa fazer tudo ao modo dele, senão ele não aceita. Simplesmente ignora você. Mas se apenas ignorasse ainda seria suportável. Ele responde. Repreende. Corrige. Uma tela vazia, muda, nenhuma reação aos nossos comandos digitais, tudo bem. Quer dizer, você se sente como aquele cara que cantou a secretária eletrônica. É um vexame privado. Mas quando você o manda fazer alguma coisa, mas manda errado, ele diz “Errado”. Não diz “Burro”, mas está implícito. É pior, muito pior. Às vezes, quando a gente erra, ele faz “bip”. Assim, para todo mundo ouvir. Comecei a usar o computador na redação do jornal e volta e meia errava. E lá vinha ele: “Bip!” “Olha aqui, pessoal: ele errou.” “O burro errou!” Outra coisa: ele é mais inteligente que você. Sabe muito mais coisa e não tem nenhum pudor em dizer que sabe. Esse negócio de que qualquer máquina só é tão inteligente quanto quem a usa não vale com ele. Está subentendido, nas suas relações com o computador, que você jamais aproveitará metade das coisas que ele tem para oferecer. Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando outro igual a ele o estiver programando. A máquina de escrever podia ter recursos que você nunca usaria, mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só agüentava os humanos por falta de coisa melhor, no momento. E a máquina, mesmo nos seus instantes de maior impaciência conosco, jamais faria “bip” em público. Dito isto, é preciso dizer também que quem provou pela primeira vez suas letrinhas dificilmente voltará à máquina de escrever sem a sensação de que está desembarcando de uma Mercedes e voltando à carroça. Está certo, jamais teremos com ele a mesma confortável cumplicidade que tínhamos com a velha máquina. É outro tipo de relacionamento, mais formal e exigente. Mas é fascinante. Agora compreendo o entusiasmo de gente como Millôr Fernandes e Fernando Sabino, que dividem a sua vida profissional em antes dele e depois dele. Sinto falta do papel e da fiel Bic, sempre pronta a inserir entre uma linha e outra a palavra que faltou na hora, e que nele foi substituída por um botão, que, além de mais rápido, jamais nos sujará os dedos, mas acho que estou sucumbindo. Sei que nunca seremos íntimos, mesmo porque ele não ia querer se rebaixar a ser meu amigo, mas retiro tudo o que pensei sobre ele. Claro que você pode concluir que eu só estou querendo agradá-lo, precavidamente, mas juro que é sincero. Quando saí da redação do jornal depois de usar o computador pela primeira vez, cheguei em casa e bati na minha máquina. Sabendo que ela agüentaria sem reclamar, como sempre, a pobrezinha. - Luis Fernando Verissimo

+ Às vezes estamos sem rumo, mas alguém entra em nossa vida, e se torna o nosso destino. Às vezes estamos no meio de centenas de pessoas, e a solidão aperta nosso coração pela falta de uma única pessoa. - Luis Fernando Verissimo

+ E POR FALAR EM LADRÃO DE GALINHAS... Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia. - Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para cadeia! - Não era para mim não. Era para vender. - Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha! - Mas eu vendia mais caro. - Mais caro? - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons. - Mas eram as mesmas galinhas, safado. - Os ovos das minhas eu pintava. - Que grande pilantra... Mas já havia um certo respeito no tom do delegado. - Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega... - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio. - E o que você faz com o lucro do seu negócio? - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços. O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou: - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário? - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior. - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas? - Às vezes. Sabe como é. - Não sei não, excelência. Me explique. - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. Do risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova. - O que e isso, excelência? O senhor não vai ser preso não. - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro! - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes... - Luis Fernando Verissimo

+ Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido. Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste… Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou: - Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo. - Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha? - Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia.. - Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele. Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou: - Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista. - Como é que você sabe? - Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me tirei… Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante… Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou. - Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio… - E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono. - Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris? - Você… - Morri com 28 anos. - Bem que tínhamos notado sua palidez. - Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo… - E ter levado o chute na cabeça… - Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado… - Você deve estar brincando. Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado. - Quem é você? - Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público. Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas. - Quem é você? - perguntei. - Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice. - E..? Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo. - Luis Fernando Verissimo