Frases de Mário De Sá Carneiro

+ Mastros quebrados, singro num mar d'Ouro Dormindo fôgo, incerto, longemente... Tudo se me igualou num sonho rente, E em metade de mim hoje só móro... São tristezas de bronze as que inda choro - Pilastras mortas, marmores ao Poente... Lagearam-se-me as ânsias brancamente Por claustros falsos onde nunca óro... Desci de mim. Dobrei o manto d'Astro, Quebrei a taça de cristal e espanto, Talhei em sombra o Oiro do meu rastro... Findei... Horas-platina... Olor-brocado... Luar-ânsia... Luz-perdão... Orquideas pranto... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . - Ó pantanos de Mim - jardim estagnado... - Mário De Sá Carneiro

+ Das Sete Canções de Declíno Um frenesi hialino arrepiou Pra sempre a minha carne e a minha vida. Foi um barco de vela que parou Em súbita baía adormecida... Baía embandeirada de miragem, Dormente de ópio, de cristal e anil. Na ideia de um país de gaze e Abril, Em duvidosa e tremulante imagem... Parou ali a barca – e, ou fosse encanto, Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento, Não mais aparelhou... – ou fosse o vento Propício que faltasse: ágil e santo... ...Frente ao porto esboçara-se a cidade, Descendo enlanguescida e preciosa: As cúpulas de sombra cor de rosa As torres de platina e de saudade. Avenidas de seda deslizando, Praças de honra libertas sobre o mar... Jardins onde as flores fossem luar; Lagos – carícias de âmbar flutuando... Os palácios a rendas e escumalha, De filigrana e cinza as catedrais – Sobre a cidade a luz – esquiva poalha Tingindo-se através longos vitrais... Vitrais de sonho a debruá-la em volta, A isolá-la em lenda marchetada: Uma Veneza de capricho – solta, Instável, dúbia, pressentida, alada... Exílio branco – a sua atmosfera, Murmúrio de aplausos – seu brou-há-há... E na Praça mais larga, em frágil cera, Eu – a estátua que nunca tombará... - Mário De Sá Carneiro

+ Além-tédio Nada me expira já, nada me vive --- Nem a tristeza nem as horas belas. De as não ter e de nunca vir a tê-las, Fartam-me até as coisas que não tive. Como eu quisera, enfim de alma esquecida, Dormir em paz num leito de hospital... Cansei dentro de mim, cansei a vida De tanto a divagar em luz irreal. Outrora imaginei escalar os céus À força de ambição e nostalgia, E doente-de-Novo, fui-me Deus No grande rastro fulvo que me ardia. Parti. Mas logo regressei à dor, Pois tudo me ruiu... Tudo era igual: A quimera, cingida, era real, A própria maravilha tinha cor! Ecoando-me em silêncio, a noite escura Baixou-me assim na queda sem remédio; Eu próprio me traguei na profundura, Me sequei todo, endureci de tédio. E só me resta hoje uma alegria: É que, de tão iguais e tão vazios, Os instantes me esvoam dia a dia Cada vez mais velozes, mais esguios... - Mário De Sá Carneiro

+ ⁠Num impeto difuso de quebranto, Tudo encetei e nada possuí... Hoje, de mim, só resta o desencanto Das coisas que beijei mas não vivi... - Mário De Sá Carneiro

+ ⁠Nem ópio nem morfina. O que me ardeu, Foi álcool mais raro e penetrante: É só de mim que ando delirante — Manhã tão forte que me anoiteceu. - Mário De Sá Carneiro