Frases de Manoel De Barros

+ Olhos Parados, a Mário Calábria Ah, ouvir mazurcas de Chopin num velho bar, domingo de manhã! Depois sair pelas ruas, entrar pelos jardins e falar com as crianças. Olhas as flores, ver os bondes passarem cheios de gente, E, encostado no rosto das casas, sorrir… Saber que o céu está lá em cima. Saber que os olhos estão perfeitos e que as mãos estão perfeitas. Saber que os ouvidos estão perfeitos. Passar pela igreja. Ver as pessoas rindo. Ver os namorados cheios de ilusões. Sair andando à toa entre as plantas e os animais. Ver as árvores verdes dos jardins. Lembrar das horas mais apagadas. Por toda parte sentir o segredo das coisas vivas. Entrar por caminhos ignorados, sair por caminhos ignorados. Ver gente diferente de nós nas janelas das casas, nas calçadas, nas quitandas. Ver gente conversando na esquina, falando de coisas ruidosas. Ver gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas. Ver homens esquecidos da vida, enchendo as praças, enchendo as travessas. Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia. Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes. Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente. Lembrar que estão longe e ter saudades deles… Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho. Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza. Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve. Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu. Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe. Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles. Saber que a gente tem amigos de fato! Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto… Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas. Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido. Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas. Pensar nos livros que a gente já leu, nas alegrias dos livros lidos. Pensar nas horas vagas, nas horas passadas lendo as poesias de Anto. Lembrar dos poetas e imaginar a vida deles muito triste. Imaginar a cara deles como de anjos. Pensar em Rimbaud, Na sua fuga, na sua adolescência, nos seus cabelos cor de ouro. Não ter ideia de voltar para casa. Lembrar que a gente, afinal de contas, Está vivendo muito bem e é uma criatura até feliz. Ficar admirado. Descobrir que não nos falta nada. Dar um suspiro bom de alívio, Olhar com ternura a criação e ver-se pago de tudo. Descobrir que, afinal de contas, não se possui nenhuma queixa E que se está sem nenhuma tristeza para dizer no momento. Lembrar que não sente fome e que os olhos estão perfeitos. Para falar a verdade, sentir-se quite com a vida. Lembrar dos amigos. Recordar um por um. Acompanhá-los na vida. Como estão longe, meu Deus! Um aqui. Outro lá, tão distantes… Que fez deste o destino? E daqueles? Quase vai se esquecendo do rosto de um… Tanto tempo! Ter vontade de escrever para todos os amigos. Ter vontade de lhes contar a vida até o momento presente. Pensar em encontrá-los de novo. Pensar em reuni-los em torno de uma mesa, Uma mesa qualquer, em um lugar que a gente ainda não escolheu. Conversar com todos eles. Rir, cantar, recordar os dias idos. Dar uma olhadela na infância de cada um. Aquele era magro, Venício… Aquele outro era gordo, Abelardo… Aquele outro era triste. Ai, não esquecer jamais este último, porque era um menino triste. Como andarão agora? Naturalmente, mais velhos. Talvez eu não conhecerei alguns. Naturalmente, mais senhores de si. Naqueles, naturalmente, para quem o mundo deve ter sido menos bom. Pensar que eles já vêm. Abrir os braços Procurar descobrir, no mundo que os envolve, Alguma voz que tenha acento parecido, Algum andar que lembre o andar longínquo de algum deles… Ah como é bom a gente ter infância! Como é bom a gente ter nascido numa pequena cidade banhada por um rio. Como é bom a gente ter jogado futebol no Porto de Dona Emília, no Largo da Matriz, E se lembrar disso agora que já tantos anos são passados. Como é bom a gente lembrar de tudo isso. Lembrar dos jogos à beira do rio, Das lavadeiras, dos pescadores e dos meninos do Porto Como é bom a gente ter tido infância para poder lembrar-se dela E trazer uma saudade muito esquisita escondida no coração. Como é bom a gente ter deixado a pequena terra em que nasceu E ter fugido para uma cidade maior, para conhecer outras vidas. Como é bom chegar a este ponto de olhar em torno E se sentir maior e mais orgulhoso porque já conhece outras vidas… Como é bom se lembrar da viagem, dos primeiros dias na cidade, Da primeira vez que olhou o mar, da impressão de atordoamento. Como é bom olhar para aquelas bandas e depois comparar. Ver que está tão diferente, e que já sabe tantas novidades… Como é bom ter vindo de tão longe, estar agora caminhando Pensando e respirando no meio de pessoas desconhecidas Como é bom achar o mundo esquisito por isso, muito esquisito mesmo. E depois sorrir levemente para ele com seus mistérios… Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo maravilhoso, exclamar. Como tudo é tão belo e tão cheio de encantos! Olhar para todos os lados, olhar para as coisas mais pequenas, E descobrir em todas uma razão de beleza. Agradecer a Deus, que a gente ainda não sabe amar direito, A harmonia que a gente sente, vê e ouve. A beleza que a gente vê saindo das rosas; a dor saindo das feridas. Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar que esteja acontecendo. Lembrar de certas passagens. Fechar os olhos para ver no tempo. Sentir a claridade do sol, espalmar os dedos, cofiar os bigodes, Lembrar que tinha saído de casa sem destino, que passara num bar, que ouvira uma mazurca, E agora estava ali, muito perdidamente lembrando coisas bobas de sua pequena vida. - Manoel De Barros

+ Tudo que eu não invento é falso - Manoel De Barros

+ E agora o que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros? - Manoel De Barros

+ A voz de uma passarinho me recita. - Manoel De Barros

+ No osso da fala dos loucos há lírios. - Manoel De Barros

+ Aqui de cima do telhado a lua prateava. - Manoel De Barros

+ ⁠O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê... É preciso transver o mundo. - Manoel De Barros

+ Escrever nem uma coisa Nem outra - A fim de dizer todas - Ou, pelo menos, nenhumas. Assim, Ao poeta faz bem Desexplicar - Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes. - Manoel De Barros

+ Deixei uma ave me amanhecer. - Manoel De Barros

+ A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. - Manoel De Barros

+ No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio. - Manoel De Barros

+ Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho 1 abridor de amanhecer 1 prego que farfalha 1 encolhedor de rios 1 esticador de horizontes - Manoel De Barros

+ A inércia é o meu ato principal. - Manoel De Barros

+ "...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós". ( em 'Sobre importâncias', do livro "Memórias inventadas – a Infância". São Paulo: Planeta Editorial, 2003.) - Manoel De Barros

+ Quando o mundo abandonar o meu olho. Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo. Que hei de fazer. - Manoel De Barros

+ Eu via a natureza como quem a veste. Eu me fechava com espumas. - Manoel De Barros

+ Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal. - Manoel De Barros

+ A minha independência tem algemas. - Manoel De Barros

+ Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, - até que padeçam de mim e me sujem de branco. - Manoel De Barros

+ Poesia é a loucura das palavras. - Manoel De Barros

+ Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. - Manoel De Barros

+ Gosto de viajar por palavras do que de trem. - Manoel De Barros

+ Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades. Não posso mais saber quando amanheço ontem. Está rengo de mim o amanhecer. Ouço o tamanho oblíquo de uma folha. Atrás do ocaso fervem os insetos. Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino. Essas coisas me mudam para cisco. A minha independência tem algemas. - Manoel De Barros

+ Agora não quero saber de mais nada, só quero aperfeiçoar o que não sei. - Manoel De Barros

+ Afundo um pouco o rio com meus sapatos. Desperto um som de raízes com isso A altura do som é quase azul. - Manoel De Barros