Frases de Miguel Torga
+ É um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados. - Miguel Torga
+ Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra nos cobrir! - Miguel Torga
+ Sísifo Recomeça... Se puderes Sem angústia E sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. E, nunca saciado, Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar e vendo O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças... - Miguel Torga
+ Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade. - Miguel Torga
+ A maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida. - Miguel Torga
+ A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo. - Miguel Torga
+ Agora, o remédio é partir discretamente, sem palavras, sem lágrimas, sem gestos. De que servem lamentos e protestos, contra o destino? - Miguel Torga
+ Súplica Agora que o silêncio é um mar sem ondas, E que nele posso navegar sem rumo, Não respondas Às urgentes perguntas Que te fiz. Deixa-me ser feliz Assim, Já tão longe de ti como de mim. Perde-se a vida a desejá-la tanto. Só soubemos sofrer, enquanto O nosso amor Durou. Mas o tempo passou, Há calmaria... Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria Matar a sede com água salgada. - Miguel Torga
+ O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova. - Miguel Torga
+ Mais um ano. Mais um palmo a separar-me dos outros, já que a vida não passa de um progressivo distanciamento de tudo e de todos, que a morte remata. - Miguel Torga
+ Bucólica A vida é feita de nadas; De grandes serras paradas À espera de movimento; De searas onduladas Pelo vento; De casas de moradia Caiadas e com sinais De ninhos que outrora havia Nos beirais; De poeira; De ver esta maravilha: Meu Pai a erguer uma videira Como uma Mãe que faz a trança à filha. - Miguel Torga
+ Vento que passas, leva-me contigo. Sou poeira também, folha de outono. Rês tresmalhada que não quer abrigo No calor do redil de nenhum dono. Leva-me, e livre deixa-me cair No deserto de todas as lembranças, Onde eu possa dormir Como no limbo dormem as crianças. - Miguel Torga
+ Só havia três coisas sagradas na vida: a infância, o amor e a doença. Tudo se podia atraiçoar no mundo, menos uma criança, o ser que nos ama e um enfermo. Em todos esses casos a pessoa está indefesa. - Miguel Torga
+ Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria matar a sede com água salgada. - Miguel Torga
+ Livre não sou, que nem a própria vida Mo consente. Mas a minha aguerrida Teimosia É quebrar dia a dia Um grilhão da corrente. Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino. E vão lá desdizer o sonho do menino Que se afogou e flutua Entre nenúfares de serenidade Depois de ter a lua! - Miguel Torga
+ Manhã Fresca manhã da vida, recomeço Doutros orvalhos onde o sol se molha. Nova canção de amor e novo preço Do ridente triunfo que nos olha. Larga e límpida luz donde se vê Tudo o que não dormiu e germinou; Tudo o que até de noite luta e crê Na força eterna que o semeou. Um aceno de paz em cada flor; Um convite de guerra em cada espinho; E os louros do perfeito vencedor À espera de quem passa no caminho. - Miguel Torga
+ Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, Saborear, enfim, O pão da minha fome. — Liberdade, que estais em mim, Santificado seja o vosso nome. - Miguel Torga
+ Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem. - Miguel Torga
+ Livro de Horas Aqui, diante de mim, Eu, pecador, me confesso De ser assim como sou. Me confesso o bom e o mau Que vão ao leme da nau Nesta deriva em que vou. Me confesso Possesso De virtudes teologais, Que são três, E dos pecados mortais, Que são sete, Quando a terra não repete Que são mais. Me confesso O dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas, E o das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo Andanças Do mesmo todo. Me confesso de ser charco E luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco Que atira setas acima E abaixo da minha altura. Me confesso de ser tudo Que possa nascer em mim. De ter raízes no chão Desta minha condição. Me confesso de Abel e de Caim. Me confesso de ser Homem. De ser um anjo caído Do tal Céu que Deus governa; De ser um monstro saído Do buraco mais fundo da caverna. Me confesso de ser eu. Eu, tal e qual como vim Para dizer que sou eu Aqui, diante de mim! - Miguel Torga
+ (...) e em qualquer fresta estava a liberdade. - Miguel Torga
+ Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. - Miguel Torga
+ Tantas formas revestes, e nenhuma Me satisfaz! Vens às vezes no amor, e quase te acredito. Mas todo o amor é um grito Desesperado Que apenas ouve o eco... - Miguel Torga
+ Parque infantil Joga a bola, menino! Dá pontapés certeiros Na empanturrada imagem Deste mundo. Traça no firmamento Órbitas arbitrárias Onde os astros fingidos Percam a majestade. Brinca, na eterna idade Que eu já tive E perdi, Quando, por imprudência, Saltei o risco branco da inocência E cresci. - Miguel Torga
+ (...) tinham-me feito descobrir uma riqueza inédita: a solidão rodeada de livros. - Miguel Torga
+ Foi bonito O meu sonho de amor. Floriram em redor Todos os campos em pousio. Um sol de Abril brilhou em pleno estio, Lavado e promissor. Só que não houve frutos Dessa primavera. A vida disse que era Tarde demais. E que as paixões tardias São ironias Dos deuses desleais. - Miguel Torga