A UM SUICIDA

À memória de Tomás Cabreira Júnior

Tu crias em ti mesmo e eras corajoso, Tu tinhas ideais e tinhas confiança, Oh! quantas vezes desesp’rançoso, Não invejei a tua esp’rança!

Dizia para mim: — Aquele há-de vencer Aquele há-de colar a boca sequiosa Nuns lábios cor-de-rosa Que eu nunca beijarei, que me farão morrer

A nossa amante era a Glória Que para ti — era a vitória, E para mim — asas partidas. Tinhas esp’ranças, ambições… As minhas pobres ilusões, Essas estavam já perdidas…

Imersa no azul dos campos siderais Sorria para ti a grande encantadora, A grande caprichosa, a grande amante loura Em que tínhamos posto os nossos ideais.

Robusto caminheiro e forte lutador Havias de chegar ao fim da longa estrada De corpo avigorado e de alma avigorada Pelo triunfo e pelo amor

Amor! Quem tem vinte anos Há-de por força amar. Na idade dos enganos Quem se não há-de enganar?

Enquanto tu vencerias Na luta heroica da vida E, sereno, esperarias Aquela segunda vida Dos bem-fadados da Glória Dos eternos vencedores Que revivem na memória — Sem triunfos, sem amores, Eu teria adormecido Espojado no caminho, Preguiçoso, entorpecido, Cheio de raiva, daninho…

Recordo com saudade as horas que passava Quando ia a tua casa e tu, muito animado, Me lias um trabalho há pouco terminado, Na salazinha verde em que tão bem se estava.

Dizíamos ali sinceramente As nossas ambições, os nossos ideais: Um livro impresso, um drama em cena, o nome nos jornais… Dizíamos tudo isso, amigo, seriamente…

Ao pé de ti, voltava-me a coragem: Queria a Glória… Ia partir! Ia lançar-me na voragem! Ia vencer ou sucumbir!…

Ai! mas um dia, tu, o grande corajoso, Também desfaleceste. Não te espojaste, não. Tu eras mais brioso: Tu, morreste.

Foste vencido? Não sei. Morrer não é ser vencido, Nem é tão pouco vencer.

Eu por mim, continuei Espojado, adormecido, A existir sem viver

Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte — Mais triste do que a minha e malaventurada. … Mas tu inda alcançaste alguma coisa: a morte, E há tantos como eu que não alcançam nada…

Lisboa, 1° de outubro de 1911
(aos 21 anos)


Mário De Sá Carneiro