Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

  • Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
  • Qual? – perguntou o leão.
  • O mais carregado de crimes. O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
  • Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum. A raposa adiantou-se e disse:
  • Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão. Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício. Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência. E o mesmo aconteceu com todas as outras feras. Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
  • A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário. Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
  • Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário. Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória: Aos poderosos, tudo se desculpa… Aos miseráveis, nada se perdoa.


Monteiro Lobato

Outras frases de Monteiro Lobato

+ Erro Tipográfico A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar. - Monteiro Lobato

+ Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê. - Monteiro Lobato

+ A natureza só permite aos gênios uma filha: sua obra. - Monteiro Lobato

+ Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira - mas tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum. - Monteiro Lobato

+ Nunca no mundo uma bala matou uma ideia. - Monteiro Lobato

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