Como eu não possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem — Um afecto, um sorriso ou um abraço. Só para mim as ânsias se diluem E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria Dos espasmos golfados ruivamente; São êxtases da cor que eu fremiria, Mas a minhalma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei… perco-me todo… Não posso afeiçoar-me nem ser eu: Falta-me egoísmo para ascender ao céu, Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser Forçoso me era antes possuir Quem eu estimasse — ou homem ou mulher, E eu não logro nunca possuir!…

Castrado de alma e sem saber fixar-me, Tarde a tarde na minha dor me afundo… Serei um emigrado doutro mundo Que nem na minha dor posso encontrar-me?…

Como eu desejo a que ali vai na rua, Tão ágil, tão agreste, tão de amor… Como eu quisera emaranhá-la nua, Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!…

Desejo errado… Se a tivera um dia, Toda sem véus, a carne estilizada Sob o meu corpo arfando transbordada, Nem mesmo assim — ó ânsia! — eu a teria…

Eu vibraria só agonizante Sobre o seu corpo de êxtases doirados, Se fosse aqueles seios transtornados, Se fosse aquele sexo aglutinante…

De embate ao meu amor todo me ruo, E vejo-me em destroço até vencendo: É que eu teria só, sentindo e sendo Aquilo que estrebucho e não possuo.


Mário De Sá Carneiro