Desânimo

Estou agora triste. Há nesta vida Páginas torvas que se não apagam, Nódoas que não se lavam… se esquecê-las De todo não é dado a quem padece… Ao menos resta ao sonhador consolo No imaginar dos sonhos de mancebo!

Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto! Meus sonhos, consolai-me! distraí-me! Anjos das ilusões, as asas brancas As névoas puras, que outro sol matiza. Abri ante meus olhos que abraseiam E lágrimas não tem que a dor do peito Transbordem um momento…

E tu, imagem, Ilusão de mulher, querido sonho, Na hora derradeira, vem sentar-te, Pensativa e saudosa no meu leito! O que sofres? que dor desconhecida Inunda de palor teu rosto virgem? Por que tu’alma dobra taciturna, Como um lírio a um bafo d’infortúnio? Por que tão melancólica suspiras?

Ilusão, ideal, a ti meus sonhos, Como os cantos a Deus se erguem gemendo! Por ti meu pobre coração palpita… Eu sofro tanto! meus exaustos dias Não sei por que logo ao nascer manchou-os De negra profecia um Deus irado. Outros meu fado invejam… Que loucura! Que valem as ridículas vaidades De uma vida opulenta, os falsos mimos De gente que não ama? Até o gênio Que Deus lançou-me à doentia fronte, Qual semente perdida num rochedo, Tudo isso que vale, se padeço!

Nessas horas talvez em mim não pensas: Pousas sombria a desmaiada face Na doce mão e pendes-te sonhando No teu mundo ideal de fantasia… Se meu orgulho, que fraqueia agora, Pudesse crer que ao pobre desditoso Sagravas uma idéia, uma saudade… Eu seria um instante venturoso!

Mas não… ali no baile fascinante, Na alegria brutal da noite ardente, No sorriso ebrioso e tresloucado Daqueles homens que, pra rir um pouco, Encobrem sob a máscara o semblante, Tu não pensas em mim. Na tua idéia Se minha imagem retratou-se um dia Foi como a estrela peregrina e pálida Sobre a face de um lago…


Álvares De Azevedo