I

Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua do estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o meu Senhor habita o rutilante escuro De um suposto de heras em alto muro. Que este amor só me faça descontente E farta de fadigas. E de fragilidades tantas Eu me faça pequena. E diminuta e tenra Como só soem ser aranhas e formigas. Que este amor só me veja de partida.

II

E só me veja No não merecimento das conquistas. De pé. Nas plataformas, nas escadas

VII

Sabenças? Esqueci-as. Livros? Perdi-os. Perdi-me tanto em ti Que quando estou contigo não sou vista E quando estás comigo vêem aquela.

VIII

Aquela que não te pertence por mais queira Saber-se pertencente é ter mais nada. É ter tudo também. É como ter o rio, aquele que deságua Nas infinitas águas de um sem-fim de ninguéns. Aquela que não te pertence não tem corpo. Porque corpo é um conceito suposto de matéria E finito. E aquela é luz. E etérea. Pertencente é não ter rosto. É ser amante De um Outro que nem nome tem. Não é Deus nem Satã. Não tem ilharga ou osso. Fende sem ofender. É vida e ferida ao mesmo tempo, “ESSE” Que bem me sabe inteira pertencida.

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem. Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso. As mós do tempo vão triturando Tua esmaltada garganta… Mas assim mesmo Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas… Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade A esperança.


Hilda Hilst

Outras frases de Hilda Hilst

+ Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. - Hilda Hilst

+ Lobos? São muitos. Mas tu podes ainda A palavra na língua Aquietá-los. Mortos? O mundo. Mas podes acordá-lo Sortilégio de vida Na palavra escrita. Lúcidos? São poucos. Mas se farão milhares Se à lucidez dos poucos Te juntares. Raros? Teus preclaros amigos. E tu mesmo, raro. Se nas coisas que digo Acreditares. - Hilda Hilst

+ Há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofre, trancados até o nosso fim. E por isso passíveis de serem sonhados a vida inteira. - Hilda Hilst

+ Em consideração a mim, cobri-me de recuos. Eu, que de docilidades me fizera. - Hilda Hilst

+ Ama-me. Ainda é tempo. Interroga-me. E eu te direi que nosso tempo é agora. Esplêndida de avidez, vasta ternura Porque é mais vasto o sonho que elabora Há tanto tempo sua própria tessitura. Ama-me. Embora eu te pareça Demasiado intensa. E de aspereza. É transitória se tu me repensas. - Hilda Hilst

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