“Nenhum sonho custa tanto a abandonar como o sonho de ter uma alma gêmea, nem que seja noutro canto do mundo, uma alma tão perto da nossa como a vida. O que é a alma? É o que resta depois de tudo o que fizemos e dissemos. […]

As almas gêmeas quase nunca se encontram, mas, quando se encontram, abraçam-se. Naqueles momentos em que alguém diz uma coisa, que nunca ouvimos, mas que reconhecemos não sei de onde. E em que mergulhamos sem querer, como se estivéssemos a visitar uma verdade que desconfiávamos existir, de onde desconfiamos ter vindo, mas aonde nunca tínhamos conseguido voltar. […] Uma alma gêmea é a prova que não estamos sozinhos. Ou seja: é a prova de que a alma existe. Não faz nem diz o mesmo que fazemos e dizemos — mas tem uma forma de fazer e dizer tão parecida com a nossa, que deixa de interessar o que é dito e feito. Uma alma gêmea faz curto-circuito com os fusíveis corpo/coração/razão. Não é o ‘quê’ — é o ‘porquê’. O estado normal de duas almas gémeas é o silêncio. Não é o ’não ser preciso falar’ - é outra forma de falar, que consiste numa alma descansar na outra. Não é a paz dos amantes nem a cumplicidade muda dos amigos. Não precisa de amor nem de amizade para se entender. As almas acharam-se. Não têm passado. Não se esforçaram. Estão. É essa a maior paz do mundo. […]

Como é que se reconhece a alma gêmea? No abraço. O coração pára de bater. A existência é interrompida. No abraço do irmão, do amigo, da amante, há sensação, do corpo, do tempo, do coração. Há sempre a noção dum gesto posterior. No abraço de duas almas gêmeas, mesmo quando se amam, o abraço parece o fim. Uma pessoa sente-se, ao mesmo tempo, protegida e protetora. E a paz é inteira - nenhum outro gesto, nenhuma outra palavra, é precisa para a completar. Pode passar a vida toda. Não importa.

Quando duas almas gêmeas se abraçam, sente-se o alívio imenso de não ter de viver. Não há necessidade, nem desejo, nem pensamento. A sensação é de sermos uma alma no ar que reencontrou a sua casa, que voltou finalmente ao seu lugar, como se o outro corpo fosse o nosso que perdêramos desde a nascença.”


Miguel Esteves Cardoso

Outras frases de Miguel Esteves Cardoso

+ Os homens são todos iguais, até na maneira de gostarem das mulheres. É a nossa única superioridade. Um homem, quando ama uma mulher adora-a. Uma mulher, quando ama um homem, aceita-o. Um homem vê todas as mulheres na mulher que ama. A mulher esquece os outros homens. Um homem ama e respeita uma só mulher. Uma mulher limita-se a amar só um. - Miguel Esteves Cardoso

+ Quase todas as mentiras são provocadas. As principais culpadas são as perguntas que se fazem. - Miguel Esteves Cardoso

+ Se alguém tem um ódio patológico às mentiras, deveria restringir ao mínimo as perguntas que faz. - Miguel Esteves Cardoso

+ Trocaria a memória de todos os beijos que me deste por um único beijo teu. E trocaria até esse beijo pela suspeita de uma saudade tua, de um único beijo que te dei. - Miguel Esteves Cardoso

+ A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. - Miguel Esteves Cardoso

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