SAUDADES

Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi… E às primaveras disse adeus tão cedo E na idade do amor envelheci!

Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento… De fogosas visões nutri meu peito… Vinte anos!… sem viver um só momento!

Contudo, no passado uma esperança Tanto amor e ventura prometia… E uma virgem tão doce, tão divina, Nos sonhos junto a mim adormecia!

Quando eu lia com ela… e no romance Suspirava melhor ardente nota… E Jocelyn sonhava com Laurence Ou Werther se morria por Carlota…

Eu sentia a tremer e a transluzir-lhe Nos olhos negros a alma inocentinha… E uma furtiva lágrima rolando Da face dela umedecer a minha!

E quantas vezes o luar tardio Não viu nossos amores inocentes? Não embalou-se da morena virgem No suspirar, nos cânticos ardentes?

E quantas vezes não dormi sonhando Eterno amor, eternas as venturas… E que o céu ia abrir-se… e entre os anjos Eu ia despertar em noites puras?

Foi esse o amor primeiro! requeimou-me As artérias febris de juventude, Acordou-me dos sonhos da existência Na harmonia primeira do alaúde.

Meu Deus! e quantas eu amei… Contudo Das noites voluptuosas da existência Só restam-me saudades dessas horas Que iluminou tua alma d’inocência.

Foram três noites só… três noites belas De lua e de verão, no val saudoso… Que eu pensava existir… sentindo o peito Sobre teu coração morrer de gozo.

E por três noites padeci três anos, Na vida cheia de saudade infinda… Três anos de esperança e de martírio… Três anos de sofrer — e espero ainda!

A ti se ergueram meus doridos versos, Reflexos sem calor de um sol intenso, Votei-os à imagem dos amores Pra velá-la nos sonhos como incenso.

Eu sonhei tanto amor, tantas venturas, Tantas noites de febre e d’esperança… Mas hoje o coração parado e frio, Do meu peito no túmulo descansa.

Pálida sombra dos amores santos! Passa quando eu morrer no meu jazigo, Ajoelha ao luar e entoa um canto… Que lá na morte eu sonharei contigo.


Álvares De Azevedo