TEU CORPO

O teu corpo muda Independente de ti não te pergunta se deve engordar.

É um ser estranho que tem o teu rosto ri em teu riso e goza com teu sexo. Lhe dás de comer e ele fica quieto. Penteias-lhe os cabelos como se fossem teus.

Num relance, achas que apenas estás nesse corpo. Mas como, se nele nasceste e sem ele não és?

Ao que tudo indica tu és esse corpo -que a cada dia mais difere de ti.

E até já tens medo De olhar no espelho: Lento como nuvem o rosto que eras vai virando outro.

E a erupção no queixo? Vai sumir? Alastrar-se feito impingem, câncer? Poderás detê-la com Dermobenzol? Ou terás que chamar o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho: Tu és esse osso. Olhas a mão. A forma sentada de bruços na mesa és tu.

Mas quem morre? Quem diz ao teu corpo – morre – quem diz a ele – envelhece – se não o desejas, se queres continuar vivo e jovem por infinitas manhãs?


Ferreira Gullar

Outras frases de Ferreira Gullar

+ Cantiga para não morrer Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve. Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração. Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar. E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento. - Ferreira Gullar

+ Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher. Quero ser mulher, vejo-me menina. - Ferreira Gullar

+ Não Há Vagas O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira - Ferreira Gullar

+ A arte existe porque a vida não basta. - Ferreira Gullar

+ Subversiva A poesia Quando chega Não respeita nada. Nem pai nem mãe. Quando ela chega De qualquer de seus abismos Desconhece o Estado e a Sociedade Civil Infringe o Código de Águas Relincha Como puta Nova Em frente ao Palácio da Alvorada. E só depois Reconsidera: beija Nos olhos os que ganham mal Embala no colo Os que têm sede de felicidade E de justiça. E promete incendiar o país. - Ferreira Gullar

+ Mais frases