Um dia, gastos, voltaremos A viver livres como os animais E mesmo tão cansados floriremos Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços Dos gestos agitados irreais E há-de voltar aos nosso membros lassos A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar Através do mistério que se embala No verde dos pinhais na voz do mar E em nós germinará a sua fala.


Sophia De Mello Breyner Andresen

Outras frases de Sophia de Mello Breyner Andresen

+ Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Mar, metade da minha alma é feita de maresia Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez. E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia Mais fortes se levantam outra vez, Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida. E se vou dizendo aos astros o meu mal É porque também tu revoltado e teatral Fazes soar a tua dor pelas alturas. E se antes de tudo odeio e fujo O que é impuro, profano e sujo, É só porque as tuas ondas são puras. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua Por maior que seja o desespero Nenhuma ausência é mais funda do que a tua. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Quero Nos teus quartos forrados de luar Onde nenhum dos meus gestos faz barulho Voltar. E sentar-me um instante Na beira da janela contra os astros E olhando para dentro contemplar-te, Tu dormindo antes de jamais teres acordado, Tu como um rio adormecido e doce Seguindo a voz do vento e a voz do mar Subindo as escadas que sobem pelo ar. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ POEMA A minha vida é o mar o abril a rua O meu interior é uma atenção voltada para fora O meu viver escuta A frase que de coisa em coisa silabada Grava no espaço e no tempo a sua escrita Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará Não tenho explicações Olho e confronto E por método é nu meu pensamento A terra o sol o vento o mar São a minha biografia e são meu rosto Por isso não me peçam cartão de identidade Pois nenhum outro senão o mundo tenho Não me peçam opiniões nem entrevistas Não me perguntem datas nem moradas De tudo quanto vejo me acrescento E a hora da minha morte aflora lentamente Cada dia preparada - Sophia De Mello Breyner Andresen

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