Frases de Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Iremos juntos sozinhos pela areia Embalados no dia Colhendo as algas roxas e os corais Que na praia deixou a maré cheia. As palavras que disseres e que eu disser Serão somente as palavras que há nas coisas Virás comigo desumanamente Como vêm as ondas com o vento. O belo dia liso como um linho Interminável será sem um defeito Cheio de imagens e conhecimento. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ À sua passagem a noite é vermelha E a vida que temos parece Exausta, inútil, alheia. Ninguém sabe onde vai nem donde vem, Mas o eco dos seus passos Enche o ar de caminhos e de espaços E acorda as ruas mortas. Então o mistério das coisas estremece E o desconhecido cresce Como uma flor vermelha. obra poética I caminho 1999 - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Um dia, gastos, voltaremos A viver livres como os animais E mesmo tão cansados floriremos Irmãos vivos do mar e dos pinhais. O vento levará os mil cansaços Dos gestos agitados irreais E há-de voltar aos nosso membros lassos A leve rapidez dos animais. Só então poderemos caminhar Através do mistério que se embala No verde dos pinhais na voz do mar E em nós germinará a sua fala. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ ⁠Soneto à maneira de Camões Esperança e desespero de alimento Me servem neste dia em que te espero E já não sei se quero ou se não quero Tão longe de razões é meu tormento. Mas como usar amor de entendimento? Daquilo que te peço desespero Ainda que mo dês - pois o que eu quero Ninguém o dá senão por um momento. Mas como és belo, amor, de não durares, De ser tão breve e fundo o teu engano, E de eu te possuir sem tu te dares. Amor perfeito dado a um ser humano: Também morre o florir de mil pomares E se quebram as ondas no oceano. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Sinto que hoje novamente embarco Para as grandes aventuras, Passam no ar palavras obscuras E o meu desejo canta --- por isso marco Nos meus sentidos a imagem desta hora. Sonoro e profundo Aquele mundo Que eu sonhara e perdera Espera O peso dos meus gestos. E dormem mil gestos nos meus dedos. Desligadas dos círculos funestos Das mentiras alheias, Finalmente solitárias, As minhas mãos estão cheias De expectativa e de segredos Como os negros arvoredos Que baloiçam na noite murmurando. Ao longe por mim oiço chamando A voz das coisas que eu sei amar. E de novo caminho para o mar. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL Nunca mais a tua face será pura limpa e viva, nem teu andar como onda fugitiva se poderá nos passos do tempo tecer. E nunca mais darei ao tempo a minha vida. Nunca mais servirei senhor que possa morrer. A luz da tarde mostra-me os destroços do teu ser. Em breve a podridão beberá os teus olhos e os teus ossos tomando a tua mão na sua mão. Nunca mais amarei quem não possa viver sempre, porque eu amei como se fossem eternos a glória, a luz e o brilho do teu ser, amei-te em verdade e transparência e nem sequer me resta a tua ausência, és um rosto de nojo e negação e eu fecho os olhos para não te ver. Nunca mais servirei senhor que possa morrer. Nunca mais te darei o tempo puro Que em dias demorados eu teci Pois o tempo já não regressa a ti E assim eu não regresso e não procuro O deus que sem esperança te pedi. Sophia de Mello Breyner Andresen - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ ⁠Meditação do Duque de Gandía sobre a morte de Isabel de Portugal Nunca mais a tua face será pura limpa e viva, nem teu andar como onda fugitiva se poderá nos passos do tempo tecer. E nunca mais darei ao tempo a minha vida. Nunca mais servirei senhor que possa morrer. A luz da tarde mostra-me os destroços do teu ser. Em breve a podridão beberá os teus olhos e os teus ossos tomando a tua mão na sua mão. Nunca mais amarei quem não possa viver sempre, porque eu amei como se fossem eternos a glória, a luz e o brilho do teu ser, amei-te em verdade e transparência e nem sequer me resta a tua ausência, és um rosto de nojo e negação e eu fecho os olhos para não te ver. Nunca mais servirei senhor que possa morrer. Nunca mais te darei o tempo puro Que em dias demorados eu teci Pois o tempo já não regressa a ti E assim eu não regresso e não procuro O deus que sem esperança te pedi. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio E suportar é o tempo mais comprido. Peço-Te que venhas e me dês a liberdade, Que um só dos teus olhares me purifique e acabe. Há muitas coisas que eu quero ver. Peço-Te que sejas o presente. Peço-Te que inundes tudo. E que o teu reino antes do tempo venha. E se derrame sobre a Terra Em primavera feroz pricipitado. - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ ⁠Através do teu coração passou um barco Que não pára de seguir sem ti o seu caminho - Sophia De Mello Breyner Andresen

+ A hora da partida soa quando Escurece o jardim e o vento passa, Estala o chão e as portas batem, quando A noite cada nó em si deslaça. A hora da partida soa quando as árvores parecem inspiradas Como se tudo nelas germinasse. Soa quando no fundo dos espelhos Me é estranha e longínqua a minha face E de mim se desprende a minha vida. - Sophia De Mello Breyner Andresen