Frases de Álvares De Azevedo

+ A Lagartixa A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha: O clarão de teus olhos me dá vida, Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo-te como o vinho e como o sono, Tu és meu copo e amoroso leito... Mas teu néctar de amor jamais se esgota, Travesseiro não há como teu peito. Posso agora viver: para coroas Não preciso no prado colher flores; Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores Vale todo um harém a minha bela, Em fazer-me ditoso ela capricha... Vivo ao sol de seus olhos namorados, Como ao sol de verão a lagartixa. - Álvares De Azevedo

+ Último Soneto Já da noite o palor me cobre o rosto, Nos lábios meus o alento desfalece, Surda agonia o coração fenece, E devora meu ser mortal desgosto! Do leito, embalde num macio encosto, Tento o sono reter!… Já esmorece O corpo exausto que o repouso esquece… Eis o estado em que a mágoa me tem posto! O adeus, o teu adeus, minha saudade, Fazem que insano do viver me prive E tenha os olhos meus na escuridade. Dá-me a esperança com que o ser mantive! Volve ao amante os olhos, por piedade, Olhos por quem viveu quem já não vive! - Álvares De Azevedo

+ Perdoa-me, Visão dos Meus Amores Perdoa-me, visão dos meus amores, Se a ti ergui meus olhos suspirando!… Se eu pensava num beijo desmaiando Gozar contigo uma estação de flôres! De minhas faces os mortais palores, Minha febre noturna delirando, Meus ais, meus tristes ais vão revelando Que peno e morro de amorosas dores… Morro, morro por ti! na minha aurora A dor do coração, a dor mais forte, A dor de um desengano me devora… Sem que última esperança me conforte, Eu – que outrora vivia! – eu sinto agora Morte no coração, nos olhos morte! - Álvares De Azevedo

+ Não há melhor túmulo para a dor do que uma taça de vinho ou uns olhos negros cheios de languidez. - Álvares De Azevedo

+ Feliz daquele que no livro da alma não tem folhas escritas. - Álvares De Azevedo

+ Do meu outono os desfolhos, Os astros do teu verão, A languidez de teus olhos Inspiram minha canção... - Álvares De Azevedo

+ A vida é um escárnio sem sentido. Comédia infame que ensanguenta o lodo. - Álvares De Azevedo

+ A saciedade é um tédio terrível - Álvares De Azevedo

+ SONHANDO Na praia deserta que a lua branqueia Que mimo! Que rosa, que filha de Deus! Tão pálida - ao vê-la meu ser devaneia, Sufoco nos lábios os hálitos meus! Não corras na areia, Não corras assim! Donzela, onde vais? Tem pena de mim! A praia é tão longe! E a onda bravia As roupas de goza te molha de escuma De noite - aos serenos - a areia é tão fria, Tão úmido o vento que os ares perfuma! És tão doentia! Não corras assim! Donzela, onde vais? Tem pena de mim! A brisa teus negros cabelos soltou, O orvalho da face te esfria o suor; Teus seios palpitam - a brisa os roçou, Beijou-os, suspira, desmaia de amor! Teu pé tropeçou... Não corras assim! Donzela, onde vais? Tem pena de mim! E o pálido mimo da minha paixão Num longo soluço tremeu e parou, Sentou-se na praia, sozinha no chão, A mão regelada no colo pousou! Que tens, coração? Que tremes assim? Cansaste, donzela? Tem pena de mim! Deitou-se na areia que a vaga molhou. Imóvel e branca na praia dormia; Mas nem os seus olhos o sono fechou E nem o seu colo de neve tremia... O seio gelou?... Não durmas assim! Ó pálida fria, Tem pena de mim! Dormia: — na fronte que níveo suar... Que mão regelada no lânguido peito... Não era mais alvo seu leito do mar, Não era mais frio seu gélido leito! Nem um ressonar... Não durmas assim... Ó pálida fria, Tem pena de mim! Aqui no meu peito vem antes sonhar Nos longos suspiros do meu coração: Eu quero em meus lábios teu seio aquentar, Teu colo, essas faces, e a gélida mão... Não durmas no mar! Não durmas assim. Estátua sem vida, Tem pena de mim! E a vaga crescia seu corpo banhando, As cândidas formas movendo de leve! E eu vi-a suave nas águas boiando Com soltos cabelos nas roupas de neve! Nas vagas sonhando Não durmas assim... Donzela, onde vais? Tem pena de mim! E a imagem da virgem nas águas do mar Brilhava tão branca no límpido véu... Nem mais transparente luzia o luar No ambiente sem nuvens da noite do céu! Nas águas do mar Não durmas assim... Não morras, donzela, Espera por mim! - Álvares De Azevedo

+ O POETA Un souvenir heureux est peut-être sur terre Plus vrai que le bonheur. A. DE MUSSET Era uma noite: — eu dormia... E nos meus sonhos revia As ilusões que sonhei! E no meu lado senti... Meu Deus! por que não morri? Por que no sono acordei? No meu leito adormecida, Palpitante e abatida, A amante de meu amor, Os cabelos recendendo Nas minhas faces correndo, Como o luar numa flor! Senti-lhe o colo cheiroso Arquejando sequioso E nos lábios, que entreabria Lânguida respiração, Um sonho do coração Que suspirando morria! Não era um sonho mentido: Meu coração iludido O sentiu e não sonhou... E sentiu que se perdia Numa dor que não sabia... Nem ao menos a beijou! Soluçou o peito ardente, Sentiu que a alma demente Lhe desmaiava a tremer, Embriagou-se de enleio, No sono daquele seio Pensou que ele ia morrer! Que divino pensamento, Que vida num só momento Dentro do peito sentiu... Não sei!... Dorme no passado Meu pobre sonho doirado... Esperança que mentiu... Sabem as noites do céu E as luas brancas sem véu Os prantos que derramei! Contem do vale as florinhas Esse amor das noite minhas! Elas sim... que eu não direi! E se eu tremendo, senhora, Viesse pálido agora Lembrar-vos o sonho meu, Com a fronte descorada E com a voz sufocada Dizer-vos baixo: — Sou eu! Sou eu! que não esqueci A noite que não dormi, Que não foi uma ilusão! Sou eu que sinto morrer A esperança de viver... Que o sinto no coração! Riríeis das esperanças, Das minhas loucas lembranças, Que me desmaiam assim? Ou então, de noite, a medo Choraríeis em segredo Uma lágrima por mim! - Álvares De Azevedo

+ VIRGEM MORTA Lá bem na extrema da floresta virgem, Onde na praia em flor o mar suspira... Lá onde geme a brisa do crepúsculo E mais poesia o arrebol transpira... Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta, No leito mole da molhada areia Deitem o corpo da beleza morta. Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores, Vistam-na de cetim, e o véu de noiva Lhe desdobrem da face nos palores. Vagueie em torno, de saudosas virgens Errando à noite, a lamentosa turma... E, entre cânticos de amor e de saudade, Junto às ondas do mar a virgem durma. Às brisas da saudade soluçantes Aí, em tarde misteriosa e bela, Entregarei as cordas do alaúde E irei meus sonhos prantear por ela! Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe E de amorosos prantos perfumá-la... E a essência dos cânticos divinos No túmulo da virgem derramá-la. Que importa que ela durma descorada E velasse o palor a cor do pejo? Quero a delícia que o amor sonhava Nos lábios dela pressentir num beijo. Desbotada coroa do poeta! Foi ela mesma quem prendeu-te flores! Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores!... Na minha fronte riu de ti, passando, Dos sepulcros o vento peregrino... Irei eu mesmo desfolhar-te agora Da fronte dela no palor divino!... E contudo eu sonhava! e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento! Ai! que tudo passou!... só resta agora O sorriso de um anjo macilento! Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei, tu dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar ainda na ventura. Bem cedo, ao menos, eu serei contigo — Na dor do coração a morte leio... Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio... E tu, vida que amei! pelos teus vales Com ela sonharei eternamente... Nas noites junto ao mar e no silêncio, Que das notas enchi da lira ardente!... Dorme ali minha paz, minha esperança, Minha sina de amor morreu com ela, E o gênio do poeta, lira eólia Que tremia ao alento da donzela! Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora Se inunda em tanto sol no céu da tarde! Acorda, coração!... Mas no meu peito Lábio de morte murmurou: — É tarde! É tarde! e quando o peito estremecia Sentir-me abandonado e moribundo!?... É tarde! é tarde! ó ilusões da vida, Morreu com ela da esperança o mundo!... No leito virginal de minha noiva Quero, nas sombras do verão da vida, Prantear os meus únicos amores, Das minhas noites a visão perdida... Quero ali, ao luar, sentir passando Por alta noite a viração marinha, E ouvir, bem junto às flores do sepulcro, Os sonhos de su’alma inocentinha. E quando a mágoa devorar meu peito... E quando eu morra de esperar por ela... Deixai que eu durma ali e que descanse, Na morte ao menos, sobre o seio dela! - Álvares De Azevedo

+ — Deus! Crer em Deus! Sim como o grito íntimo o revela nas horas frias do medo — nas horas em que se tirita de susto e que a morte parece roçar úmida por nós! Na jangada do náufrago, no cadafalso, no deserto — sempre banhado do suor frio — do terror e que vem a crença em Deus! — Crer nele como a utopia do bem absoluto, o sol da luz e do amor, muito bem! Mas se entendeis por ele os ídolos que os homens ergueram banhados de sangue, e o fanatismo beija em sua inanimação de mármore de há cinco mil anos! Não credo nele! - Álvares De Azevedo

+ TRIDADE A vida é uma planta misteriosa Cheia d’espinhos, negra de amarguras, Onde só abrem duas flores puras Poesia e amor... E a mulher... é a nota suspirosa Que treme d’alma a corda estremecida, É fada que nos leva além da vida Pálidos de langor! A poesia é a luz da mocidade, O amor é o poema dos sentidos, A febre dos momentos não dormidos E o sonhar da ventura... Voltai, sonhos de amor e de saudade! Quero ainda sentir arder-me o sangue, Os olhos turvos, o meu peito langue... E morrer de ternura! - Álvares De Azevedo

+ E quando nas águas os ventos suspiram, São puros fervores de ventos e mar: São beijos que queimam... e as noites deliram, E os pobres anjinhos estão a chorar! Ai! quando tu sentes dos mares na flor Os ventos e vagas gemer, palpitar, Porque não consentes, num beijo de amor, Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar! - Álvares De Azevedo

+ Ah! vem, alma sombria que pranteias. Por quem choras? Por mim? Em vez de prantos Deixa-me suspirar a teus joelhos. Tu sim és pura. Os anjos da inocência Poderiam amar sobre teu seio. Aperta minha mão! Senta-te um pouco Bem unida a minha alma em meus joelhos, Assim parece que um abraço aperta Nossas almas que sofrem. Revivamos! O passado é um sonh, o mundo é largo, Fugiremos à pátria. Iremos longe Habitar num deserto. No meu peito Eu tenho amores para encher de encantos Uma alma de mulher Por que sorriste? Sou um louco. Maldita a folha negra Em que Deus escreveu a minha sina Maldita minha mãe, que entre os joelhos Não soubeste apertar, quando eu nascia, O meu corpo infantil! Maldita! - Álvares De Azevedo

+ Tu és o sol, e eu sou a lagartixa. - Álvares De Azevedo

+ Fui um douto em sonhar tantos amores... Que loucura, meu Deus! Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato, Todos os sonhos meus! E ela, triste mulher, ela tão bela, Dos seus anos na flor, Por que havia de sagrar pelos meus sonhos Um suspiro de amor? Um beijo — um beijo só! eu não pedia Senão um beijo seu E nas horas do amor e do silêncio Juntá-la ao peito meu! Foi mais uma ilusão! de minha fronte Rosa que desbotou Uma estrela de vida e de futuro Que riu... e desmaiou! Meu triste coração, é tempo, dorme, Dorme no peito meu! Do último sonho despertei e n’alma Tudo! tudo morreu! Meus Deus! por que sonhei e assim por ela Perdi a noite ardente... Se devia acordar dessa esperança, E o sonho era demente?... Eu nada lhe pedi: ousei apenas Junto dela, à noitinha, Nos meus delírios apertar tremendo A sua mão na minha! Adeus, pobre mulher! no meu silêncio Sinto que morrerei... Se rias desse amor que te votava, Deus sabe se te amei! Se te amei! se minha alma só queria Pela tua viver, No silêncio do amor e da ventura Nos teus lábios morrer! Mas vota ao menos no lembrar saudoso Um ai ao sonhador... Deus sabe se te amei!... Não te maldigo, Maldigo o meu amor!... Mas não... inda uma vez... Não posso ainda Dizer o eterno adeus E a sangue frio renegar dos sonhos E blasfemar de Deus! Oh! Fala-me de amor!... — eu quero crer-te Um momento sequer... E esperar na ventura e nos amores, Num olhar de mulher! Só um olhar por compaixão te peço, Um olhar.... mas bem lânguido, bem terno... - Álvares De Azevedo

+ Fala-me, anjo de luz! És glorioso, à minha vista na janela à noite, como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos froixos olhos (...) A noite vai bela, e a vista desmaia Ao longe na praia, do mar! - Álvares De Azevedo

+ Em negócios de amor, nada de sócios. - Álvares De Azevedo

+ Pensamento de mãe é como o incenso Que os anjos do Senhor beijam passando. - Álvares De Azevedo

+ Só levo uma saudade – é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas! (...) Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda É pela virgem que sonhei... que nunca Aos lábios me encostou a face linda! - Álvares De Azevedo

+ Se é verdade que os homens gozadores, Amigos de no vinho ter consolos, Foram com Satanás fazer Colônia, Antes lá que do Céu sofrer os tolos!⁠ - Álvares De Azevedo